AGENDA CULTURAL

26.3.11

Percursos da Música Popular Brasileira


Tito Damazo*

            A grandeza da Música Popular Brasileira para nossa cultura é incomensurável. Originária, talvez, da ritualística musical indígena, foi se impregnando de toda ordem de outras oriundas dos muitos povos imigrantes que aqui aportaram. A começar pelo colonizador e os negros que sob o jugo da escravidão com ele vieram. Já, por certo, também foram ficando as marcas dos holandeses e franceses. Desde então, esta gigantesca mistura cultural vem modelando sua formação e permanente transformação.
            Semelhantemente aos das artes e da literatura, seus estudos têm se pautado por um certo traçado de linha evolutiva no tempo e no espaço, ainda que Raul Seixas negue que sua música tenha levado isso em conta. Diz ele, satiricamente, em um de seus vários discursos musicais, que a única linha que conhece é a linha de empinar uma bandeira.
            Todavia, rendidos pela história, talvez pudéssemos interpretar esta sua irônica crítica, dizendo que a linha evolutiva da música popular brasileira o que tem feito é justamente empinar uma bandeira, ou seja, construir um dos traços essenciais da nossa cara brasileira, sendo ele próprio um dos ícones de um desses momentos.
            Consensualmente, para os historiadores da música popular brasileira esta trajetória estética musical se faz desde a modinha e o lundu, de cujos realizadores fazem parte os poetas Gregório de Matos e Domingos Caldas Barbosa, à Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos.
             Daí em diante sim acontece o que Raul Seixas quis dizer, isto é, desfizeram-se  as pegadas daquela linha evolutiva que se vinha marcando com suas melodias e ritmos próprios: cada período com suas manifestações estético-musicais ao longo do decorrer dos séculos e anos.
            Fomos um tempo predominantemente chorões liderados por Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga. Depois acabamos por construir aquela que seria nossa marca mundial: o samba. Daí pra frente nos tornamos o samba. O samba somos nós. E o  carnaval brasileiro samba-edificou-se. Incontáveis os bambas compositores(as), cantores(as), dançarinos(as), desde então até o presente (“desde que o samba é samba é assim”). Enumerá-los daria um glossário sem tamanho e ainda assim se poderiam cometer imperdoáveis injustiças. Todos os outros ritmos musicais anteriores e posteriores a ele, não obstante fundamentais à música popular brasileira, passaram. O samba continua vivo e maior. Certamente durará, enquanto houver brasileiro.
            Mas a linha evolutiva trouxe outra marca registrada da música popular brasileira, uma mescla de samba e jazz: a bossa nova, também imortalizada por muitos, cujos ícones maiores, entretanto, são Tom Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes, Baden Powell e Carlos Lyra. Longe de se igualar à popularidade do samba, sua existência parece também ter-se tornado permanente.
Ao ambiente que parecia modorramente estabilizado, sacudiu-lhe poderoso, questionador, constestador, altamente criativo e nada excludente, mas também nada aderente, o Tropicalismo. Semelhantemente ao Modernismo na literatura, uma erupção vociferante. Depois, porém, se arrefecendo e tomando seu lugar na história. E aqueles vulcânicos Caetano, Gil e Tom Zé foram dando uma cara mosaica enriquecedora à música popular brasileira, revalorizando o samba, a bossa nova, as canções imortais de Caymmi e Luiz Gonzaga.
            Por fim, insuflado pela beatles-mania, surgiu um ciclone musical denominado Jovem Guarda, cuja guitarra elétrica emitia os agudos rebeldes de Roberto Carlos, do Tremendão e da Ternurinha. Logo, entretanto, o bicho que mandara tudo pro inferno, tornou-se o ídolo-mor da música romântica brasileira.
            Depois... bem, depois é o hoje que, desde os anos 80 passados mais ou menos, vem sendo tudo isso e às vezes só isso misturado, revisado, remodelado, cujos porta-estandartes modelares são Lenine, Zeca Baleiro e Chico César. Agora sim, como quis, Raul, sem uma linha definida, mas tudo mantendo no seu panteão empinada a bandeira da música popular brasileira. 

*Tito Damazo é doutor em letras, professor universitário, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras e da UBE: damazo@terra.com.br      


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