AGENDA CULTURAL

9.4.11

Escola de segurança máxima?


Para educador, a tragédia de Realengo pode reforçar estilo bunker que já entrincheira a sociedade

09 de abril de 2011 | 13h 16
ESTADÃO
CHRISTIAN CARVALHO CRUZ
Um velho apresentador de TV costumava dizer que não tinha vindo para explicar, e sim para confundir. Na quinta-feira, ainda na quentura dos acontecimentos em Realengo, o professor Julio Groppa Aquino, da Faculdade de Educação da USP, ecoava metade daquele bordão. Ele não queria explicar o atirador que matou pelo menos 12 crianças em uma escola no subúrbio do Rio e depois se suicidou. Desconfiava que explicações viriam às pencas, inevitáveis, nauseantes. E nenhuma delas nos convenceria. Na sexta pela manhã, ao responder às perguntas do Aliás, ele mantinha a vontade de não explicar e, dando passagem à outra metade do bordão, adicionava ao tema grossas pitadas de confusão (e provocação), para daí extrair reflexões e nos fazer pensar além.
Tasso Marcelo/AE
Tasso Marcelo/AE
Local do crime. 'A escola está para a democracia como a delegacia está para a ditadura"
Psicólogo de formação, pesquisador da violência e da indisciplina no ambiente escolar e um dos críticos mais contundentes dos rumos educacionais do País, Aquino se debruçou sobre o que vem agora, depois da tragédia e do luto. Ele acha, por exemplo, que o estilo bunkerista das escolas, reproduzido das casas, dos condomínios e centros comerciais, será desgraçadamente reforçado. "Estaremos ensinando às crianças e jovens que só é possível conviver com seus concidadãos se houver um policial ao lado", lamenta. Na entrevista a seguir, Aquino também fala da sociedade que se nutre de violência e do papel dos professores na identificação de tendências violentas nos alunos: "Sala de aula não é consultório médico, e o alunado não é um corpo 0doente".

Partes significativas da entrevista

Se quisermos alguma espécie de trégua na violência, ela deverá contemplar, sobretudo, uma moderação radical da ação policial, ela própria responsável pela morte de um grande contingente de jovens, este que é o segmento social mais penalizado pela violência no País.

A manifestação do Cristovam Buarque é um exemplo do que eu apontava antes: a fantasia de que um reforço do policiamento é a única saída para a manutenção da dita "paz nas escolas", o que me parece um argumento arriscado. Estaremos ensinando às crianças e jovens que só é possível conviver com seus concidadãos se houver um policial ao lado, o que, aliás, já se passa com os estratos urbanos de classe média alta, todos eles entrincheirados em seus bunkers e rodeados por seguranças. Quanto à proposta do velho ex-presidente, ela é bem conhecida de todos e igualmente arriscada: quando desponta um problema social insolúvel, que o insiramos no currículo. Desse modo, acabamos tendo uma escola que pretende ensinar tudo no que se refere ao exercício da cidadania e que muito pouco ensina sobre língua, ciências e artes. Uma saída tão fácil quanto problemática, a meu ver.

O estilo bunker apenas será reforçado, já que se trata de uma realidade muito bem instalada entre nós. Por exemplo, o bunkerismo escolar da classe média (e também das residências, dos centros comerciais, das instituições privadas como um todo) é contemporâneo à instalação generalizada das películas nos vidros dos automóveis.

O curioso é que isso costuma acontecer nos ditos países desenvolvidos, e não em países periféricos. Já aconteceu na Finlândia, no Canadá, na China e, sobretudo, nos Estados Unidos. Seria um indício do ingresso do Brasil na rota do dito desenvolvimento socioeconômico?

BULLYNG
Não há razão para imaginarmos uma escola em que não haja tensões, na forma de rivalidade e, no limite, humilhação entre os alunos. Todos sofremos esse tipo de coisa e sobrevivemos. Isso não é desejável, mas acaba fazendo parte das relações entre as crianças e jovens e, em grande medida, deles com os mais velhos. E em mão dupla, frise-se. No entanto, a epidemia do dito bullying parece ter se tornado a alegação principal da imensa maioria daqueles que, por um ou outro motivo, sentem-se em desvantagem civil, o que poderia, a rigor, incluir todos nós. Penso ser temerário e, de algum modo, demasiado fácil supor que o tal bullying seja desencadeador de atos violentos. Ao contrário, a explosão dos casos em que se alega haver bullying é uma mostra incontestável da cultura de vitimização psicologizante que vem se instalando entre nós.

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