AGENDA CULTURAL

23.4.11

Talvez as cinzas do poeta se tenham convertido em dor e lágrimas


Tasso da Silveira

Em todos os perdidos portos do mundo, sob o crepúsculo
balouçam barcos mansamente.
A brisa é uma carícia lenta
nos mastros e nas velas.
A voz da água é um segredo baixinho.
É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados...
                          (Tasso da Silveira, Curitiba (1895), Rio de Janeiro (1968)



            
           A tragédia do Realengo -- além de causar dores e traumas que poderão ficar como opressores por muito tempo, senão para todo o sempre --, em meio à gama de explicações para justificar o injustificável, trouxe, no seu bojo, o assunto da moda, o bullying.
            As minúcias e detalhes expostos pela mídia sobre as várias e prováveis situações que levaram o assassino a cometer a chacina trazem como relevante o fato de ele ser humilhado constantemente pelos colegas de escola. Escola cuja denominação ostenta o nome de Tasso da Silveira, poeta brasileiro líder do Grupo Espiritualista, que se reuniu em torno da Revista Festa, a que estava ligada Cecília Meireles, e que compunha um dos grupos de poetas do Modernismo a partir de 1930.
            É desnecessário, até para evitar os engulhos que a repetitiva retórica dos poderes políticos institucionais causa, dizer que a Educação é fator primordial para qualquer nação que busque o pleno desenvolvimento social, econômico, cultural e político. Os tradicionais países desenvolvidos e outros mais recentes são a prova irrefutável disso.
            Todavia, é público, notório e vexatório que a Educação brasileira é das piores do mundo, que o resultado de seu funcionamento nos envergonha, induz a confundir inchaço com crescimento e mantém a enorme maioria do povo em escandalosa pobreza, analfabetismo formal e ignorância dirigível.
            Não se pode negar que seja este um elemento importante entre os que contribuíram para a deformação que conduziu a besta fera a praticar aquela chacina. Deve-se, porém, somar a isto a igualmente grande deformação e desestruturação da instituição família das últimas décadas do século XX a essa parte. O sociólogo e crítico literário Antonio Candido, em um de seus ensaios denominado “O direito à literatura”, afirma que  “... chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza (...) No entanto, a irracionalidade do comportamento é também máxima, servida frequentemente pelos mesmos meios que deveriam realizar os desígnios da racionalidade. (...) Todos sabemos que a nossa época é profundamente bárbara, embora se trate de uma barbárie ligada ao máximo de civilização.”   
As informações sobre a vida desse jovem dizem também que lhe assistiram e o acolheram uma segunda mãe e uma seita religiosa. Em vão. Parece que a esquizofrenia, ou algo próximo decorrente do bullying  tiveram mais força.
Dado que a barbárie não tenha desaparecido, pelo contrário, tenha crescido proporcionalmente ao crescimento demográfico e à sofisticação técnica, talvez não seja descabido dizer que o bullying é uma barbárie e que, como tal sempre existiu como prática de constrangimento e dominação de homens entre homens.
É bullying impor e manter a pobreza, a ignorância, a servidão, as privações de toda ordem. É bullying impor uma assistência de saúde, de educação e de cultura humilhante e profundamente discriminatória. É bullying manter os professores da escola Tasso da Silveira e das demais escolas públicas oficiais numa situação salarial deplorável, humilhante perante quaisquer outras profissões que requeiram formação universitária e consequentemente deprava esta profissão responsável pela “formação integral do cidadão”, conforme enunciam as legislações governamentais a esse respeito.
 Isso, entretanto, não levou e não leva a massiva maioria (para salvação da espécie e da natureza) a reagir dessa maneira e não pode servir pura e simplesmente de justificativa. Mas enquanto esta barbárie civilizatória, ou seja, esse bullying geral aplicado e sustentado pelos discricionários poderosos se mantiver, chacinas como a da Tasso da Silveira continuarão acontecendo como bombas autossuicidas, matando inocentes.
 *Tito Damazo é doutor em Letras, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras.
            

Nenhum comentário: