AGENDA CULTURAL

22.5.11

A sequência da finitude


Hélio  Consolaro*

Sempre afirmo que ser cronista é ver chifres em cabeça de cavalo. Ninguém vê nada, e o cronista enxerga tudo, aquelas enormes aspas na cabeça eqüina. Ele observa o  inusitado, lê  por trás dos fatos,  aprofunda-se no  leito do  rio, não fica apenas no raso,  na beirada do assunto.

Eu caminhava no calçadão de Araçatuba, naquela muvuca  de fim de semana, e vi dois jovens de mãos  dadas. Héteros, uma moça linda, alta, sorridente e ele um  rapagão atlético, feliz  da vida ao ostentar aquele monumento conquistado. Estavam apaixonados. 

“Como  a juventude é bela!” -  pensei. A estrada da vida é larga e não  se pensa no fim, porque  a marcha mal  começou. Lembrei-me de meus tempos de menino, de adolescente, de rapaz, naquela mesma rua,  a Marechal  Deodoro.  A vida me  foi madrasta no começo, mas a juventude  era o motor,  o ânimo.

Depois de alguns metros, passo  por  um  casal, também hétero (agora precisa explicar as coisas direitinho). Eles conversavam  e ouvi uma frase desoladora:

- Hoje à noite, você roncou como uma porca!

A velhice é mesmo uma b... Perdemos o otimismo, ficamos amargos, cegos. Principalmente se não aceitamos como fato normal da vida a sequência de nossa finitude.  

Não  inventei  nada caro leitor, não forcei  a barra. Os fatos ocorreram nessa sequência  no calçadão. Apenas tive olhos e ouvidos para sentirem, interpretá-los. O universo  quis me dar alguma lição. Apesar de bronco,  tive sensibilidade para percebê-la. 

Vá, Consa,  ser um velhinho  na vida...  Sem esperneio, hein!

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