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Antropofagia - Tarsila do Amaral |
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. – Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade
Ouvindo Válter Hugo Mãe, escritor de origem angolana, mas radicado em Portugal, ele repetiu Agostinho da Silva, filósofo português, para definir nossa gente: “O brasileiro é um português à solta”. Explicando melhor, somos mais descontraídos. Outros dizem que somos a parte melhor do mundo lusófono.
Os portugueses são europeus, não vivem a multiculturalidade brasileira. Aqui, já havia o índio, chegamos, e a colonização caucasiana trouxe o negro. Houve fluxo migratório de europeus. Então, o Brasil virou uma feijoada cultural.
Os grandes homens são profetas. Na sua época, às vezes, não são entendidos, mas ao avançar do tempo cada frase dita por eles ganha compreensão diante da nova realidade. Assim ocorreu com antropofagia proposta por Oswald de Andrade, o mais revolucionário dos modernistas brasileiros.
A antropofagia não foi muito bem entendida em sua época, início do século 20, quando surgia o Modernismo. Era digerir o estrangeiro culturalmente. Hoje, com esse caldo cultural misto que é o Brasil, e diante da globalização, percebe-se quão necessária é a proposta oswaldiana para não sucumbir. E ele estava antevendo que nós teríamos a força necessária para resistir, mesmo aderindo. O jeitinho brasileiro.
Como disse Válter Hugo Mãe, os brasileiros não rechaçam o novo e nem expulsam o diferente, como ocorre em Portugal. Nós acolhemos tudo, colocamos no liquidificador, batemos bem, misturamos tudo e consumimos. Aqui até o evangelismo rigoroso, anglo-saxônico, importado, arrefece diante da realidade tropical.
A antropofagia é dar uma cor local ao produto cultural importado. No seu cotidiano, o povo já fazia isso. O sincretismo religioso era um exemplo disso, funcionava como autodefesa. Oswald teve a capacidade de fazer a leitura e transformá-la em proposta à intelectualidade da época.
Dita hoje, a proposta oswaldiana parece óbvia, mas no contexto do início do século 20, em que a intelectualidade não usava triturador ao importar a cultura européia, copiava-a na íntegra, foi um tapa na cara de muita gente. Não foi à toa que a Semana de Arte Moderna provocou reações iradas da burguesia paulistana diante da rebeldia de seus filhos.
Em termos de mudança de postura no uso língua portuguesa, a literatura brasileira teve dois movimentos antropofágicos significativos: Romantismo e Modernismo. O primeiro deu o chute inicial, tentou se libertar do lusitanismo, mas conseguiu pouco. Enquanto o Modernismo marcou o gol, dar cor local ao idioma, se distanciar de Portugal. O Tropicalismo entendeu Oswald de Andrade e o retomou, avançando mais na sua proposta.
Na Feira Literária Internacional de Paraty, que homenageou Oswald de Andrade, tive a oportunidade de refrescar a memória, retomar o discurso antropofágico que tanto me entusiasmou nos bancos acadêmicos. A minha frustração foi não assistir à “Macumba antropofágica”, de José Celso, no último dia, porque minha comitiva resolveu partir às 15h do domingo.
Devoremos Pero Fernandes Sardinha, Dom Sardinha, o primeiro bispo do Brasil.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras, da Cia. dos Blogueiros e da União Brasileira de Escritores.
2 comentários:
HAMILTON BRITO... deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Digestão cultural":
"Nunca fomos catequizados. Fizemos foi um carnaval. O índio vestido de senador do império"
Não sou um intelectual e muitas das vezes não capto TO D A a dimensão de um texto. Entendi o que somos e porque somos, a mistura de raças, melhor hoje, de etnías e tudo mais.Mas duas coisas: antropogagia...não tinha outro nome mais bonito.Outra: aquela frase entre as aspas: não é desmerecer um trabalho sério, feito por gente séria, com a melhor das intençoes? Carnaval fazem os intelectuais quando lhes falta o que fazer. Ficam inventando frases de efeito. O que estou fazendo agora é dialética...ou seria bobagem?
Man, não tendi foi é nada
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