AGENDA CULTURAL

22.1.12

A crueldade bem humana


Acabei de ler o livro de um amigo (nem vou falar a cidade, para ele não ser declarado persona non grata pela Câmara Muncipal) que escreveu sob pseudônimo de Marcos Horácio. Ninguém teve a coragem de fazer o prefácio, a não ser o próprio editor Valentim Facioli que, por dever de ofício, fez as orelhas. Ou, então, se houvesse prefaciador, o segredo do pseudônimo se ruía. Deixaria de ser um bilhete anônimo denunciando a amante do marido.  


Quase passei batido, não ia publicar nada sobre o livro de tão chocado. E eu que me acho tão moderninho. Gostei muito da resenha do ROEDOR DE LIVROS


Nélson Rodrigues, Dalton Trevizan, Rubem Fonseca e João Antônio são autores de livros infantojuvenis perto de "Histórias cruéis - e eventualmente nojentas de casais escatológicos".


Este livro tem a sina de ser vanguarda, por isso está sendo vendido a R$ 12,00 em sebos no ano de lançamento. Quem sabe, daqui a 100 anos, alguém vai encontrá-lo e defender a tese de que foi precursor de uma série de coisas.


Trechos interessantes das orelhas de Facioli e da resenha do ROEDOR DE LIVROS:


...são arrancadas das situações cotidianas mais banais como espécies de “gotas da baba de Caim”, para lembrar Machado de Assis (Facioli)


Flagrantes de alguns desejos humanos escondidos, de algumas perversidades, de fetiches que seria muito feio dizer por aí, na frente das pessoas de boa índole, porque quem fica falando das suas vontades não presta, é o que dizem.
Não sei se é adequado ficar “filosofando” sobre “Histórias Cruéis”, mas o pequeno livro nos deixa meio envergonhado quando rimos dos contos bizarros, ou quando nos damos conta que o prazer sexual de algum personagem também é o nosso.(Roedor de Livros)

AS ORELHAS DE VALENTIM FACIOLI


Estas Histórias Cruéis são arrancadas das situações cotidianas mais banais como espécies de “gotas da baba de Caim”, para lembrar Machado de Assis, ou as “causas secretas” que motivam e gratificam os seres danificados de uma caixa de sombras, na qual muitos humanos estão encerrados. São paradoxos da normalidade emergindo de um fundo escuso e turvo tornados linguagem que descerra a cortina das etiologias normais ou patológicas em cena.

Esses contos são flagrantes, quase como fotos três por quatro, que captam situações de personagens oriundas do pantanal acima sugerido. São ações motivadas ou gratuitas na aparência, com repercussões complexas nas relações humanas e sociais, sem nenhum lugar para a inocência nem para nenhuma busca humanizada, que não seja prontamente defraudada. As alienações são múltiplas, as fraudes constantes, o engano corre a todo vapor.

E são pequenas histórias colhidas no panorama cultural que está na praça, talvez algo diluído e nelas num processo concentracionário que pode espantar e assustar. Contudo, há fontes identificáveis (que o autor explicita boa parte ao final do livro) na música popular, no cinema, na literatura, no mundo cão televisivo e radiológico etc., enfim, naquilo que é mais ou menos familiar a todo mundo, indicando que a correnteza dessas águas ao mesmo tempo explicita e oculta os destroços e ruínas que seguem e estão aí.Talvez esses contos possam ser lidos também sob o prisma sugerido por Edgar Poe do “demônio da perversidade”: "um pensamento terrível que nos gela até a medula dos ossos, com a feroz volúpia do seu horror, e nossa vertigem e náusea”. E aí a perversidade desatada não é somente as ações das personagens, suas intenções, reflexões, mas especialmente a linguagem com que são narradas.

Assim, o leitor encontra o calão, o palavrão, a nomeação escatológica, contumazes e transgressores, única língua apropriada de um mundo completamente danificado e sem prumo, aberto ao mal e íntimo dele, quase como sua principal virtude.

A violência e as perversões desentranhadas da “normalidade sem convenções e hipocrisia”, que é “regulada” pela violência e as perversões, como estatuto de uma representação literária que não parece reservar nenhum efeito catártico. Talvez seja assim mesmo que se tenha de escrever a nossa tragédia contemporânea, aos choques e trompaços.
Valentim Facioli

112 páginas - R$ 30,00 
Nankin Editorial

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