Hélio
Consolaro*
![]() |
Contardo Calligaris |
Sempre
li as coisas de Contardo Calligaris. Temos a mesma idade. A minha maior
frustração foi ir a Parati-RJ, em julho, e ele dar uma palestra na Casa da
Folha de São Paulo, e eu no mesmo horário ter um compromisso administrativo
com a representação do MinC. Que merda!
Num
certo dia, lendo um de seus artigos na FSP, mandei-lhe uma mensagem via correio
eletrônico. Naquela época, eu era um reles croniqueiro, nem me apresentei a ele
como tal. Para todos os efeitos, eu era apenas um leitor. E ele me respondeu
rapidamente ao e-mail. Aquilo me encantou, porque há um pessoal escamoso que
escreve em jornal e revista, põe o endereço embaixo, mas não responde a nenhum
leitor.
Pelo artigo da Marta Suplicy (foi reproduzido no meu blog), descobri que Contardo
Calligaris havia escrito sobre o pentimento. As pinturas anteriores à
definitiva feitas numa tela, como exercícios, esboços. E ele puxa o pentimento
para uma metáfora muito bem construída, trazendo-o para nossas vidas.
“Visível
ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida
muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado
que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades
que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história.” –
escreveu Contardo Calligaris.
Antes
de ler isso, eu estava construindo esta crônica. Com mais de sessenta anos,
administrando perdas, fiquei pensando na frase de meu avô materno naquela tulha improvisada de residência. Nasci por
fórceps, não havia cesariana ainda. Em 22 setembro de 1948 (nasci no dia 23/9,
à uma hora da madruga), o médico perguntou ao meu avô, porque meu pai era um
menino de 20 anos, estava desesperado: “Você quer que salva a mãe ou a criança”.
Meu avô Vitório Fortin, com pencas de netos, não titubeou: “a mãe, pois a
criança nem sabemos quem é, não temos apego a ela ainda”. Para a minha sorte
(ou azar), o obstetra salvou os dois. Depois de grande, eu percebia que meu avô me
olhava com certa frustração.
E
se eu não tivesse sobrevivido? Ia ter um vazio no mundo? Um filho natimorto e
com morte prematura no parto é como uma obra (pintura, poema, música) que
escapou de nossa memória. A idéia veio, não tínhamos nada para anotar,
desapareceu.
Sei
que me configurei e estou em processo de desconfiguração para virar novamente
poeira cósmica. Não haveria um Hélio Consolaro, nem o filho mais velho se
chamaria Gervásio (o segundo filho do casal), a ordem das coisas seria outra.
A
minha inexistência não geraria um buraco negro, mas um pouco de mim estaria em
cada um, talvez a ordem ao redor seria outra. Esse negócio de fama,
importância, poder, nada mais é que uma ilusão cultural.
A
pessoa que mais me encanta é aquela que é boa, santa, acolhedora e curte o seu
anonimato. Morre com meia dúzia de gente no seu féretro. Apenas o bem próximos.
Por que ser altruísta é também uma forma de chamar a atenção sobre si. A Madre
Teresa de Calcutá que me perdoe.
Não
existe “se”, a hipótese é um exercício mental. A escuridão da inexistência é
uma bobagem de quem tem a vista curta. Há apenas um verbo e um tempo: sou. E
dizem os malucos que nem ele existe, somos projeções em 3D. A humanidade é um
bando de mamíferos perdidos na planície, e alguns, como este croniqueiro, perdem o seu tempo discutindo
entre si qual será nosso destino.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal
de Cultura de Araçatuba
Um comentário:
Fiquei emocionada, senhor Secretário, pessoa Hélio. Permite-me completar? Há apenas um tempo: HOJE.
Forte abraço.
Postar um comentário