AGENDA CULTURAL

6.2.12

Não existe “se”


Hélio Consolaro*

Contardo Calligaris
Sempre li as coisas de Contardo Calligaris. Temos a mesma idade. A minha maior frustração foi ir a Parati-RJ, em julho, e ele dar uma palestra na Casa da Folha de São Paulo, e eu no mesmo horário ter um compromisso administrativo com a representação do MinC. Que merda!

Num certo dia, lendo um de seus artigos na FSP, mandei-lhe uma mensagem via correio eletrônico. Naquela época, eu era um reles croniqueiro, nem me apresentei a ele como tal. Para todos os efeitos, eu era apenas um leitor. E ele me respondeu rapidamente ao e-mail. Aquilo me encantou, porque há um pessoal escamoso que escreve em jornal e revista, põe o endereço embaixo, mas não responde a nenhum leitor.   

Pelo artigo da Marta Suplicy (foi reproduzido no meu blog), descobri que Contardo Calligaris havia escrito sobre o pentimento. As pinturas anteriores à definitiva feitas numa tela, como exercícios, esboços. E ele puxa o pentimento para uma metáfora muito bem construída, trazendo-o para nossas vidas.

“Visível ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história.” – escreveu Contardo Calligaris.

Antes de ler isso, eu estava construindo esta crônica. Com mais de sessenta anos, administrando perdas, fiquei pensando na frase de meu avô materno naquela tulha improvisada de residência. Nasci por fórceps, não havia cesariana ainda. Em 22 setembro de 1948 (nasci no dia 23/9, à uma hora da madruga), o médico perguntou ao meu avô,  porque meu pai era um menino de 20 anos, estava desesperado: “Você quer que salva a mãe ou a criança”. Meu avô Vitório Fortin, com pencas de netos, não titubeou: “a mãe, pois a criança nem sabemos quem é, não temos apego a ela ainda”. Para a minha sorte (ou azar), o obstetra salvou os dois. Depois de grande, eu percebia que meu avô me olhava com certa frustração.

E se eu não tivesse sobrevivido? Ia ter um vazio no mundo? Um filho natimorto e com morte prematura no parto é como uma obra (pintura, poema, música) que escapou de nossa memória. A idéia veio, não tínhamos nada para anotar, desapareceu.

Sei que me configurei e estou em processo de desconfiguração para virar novamente poeira cósmica. Não haveria um Hélio Consolaro, nem o filho mais velho se chamaria Gervásio (o segundo filho do casal), a ordem das coisas seria outra.

A minha inexistência não geraria um buraco negro, mas um pouco de mim estaria em cada um, talvez a ordem ao redor seria outra. Esse negócio de fama, importância, poder, nada mais é que uma ilusão cultural.

A pessoa que mais me encanta é aquela que é boa, santa, acolhedora e curte o seu anonimato. Morre com meia dúzia de gente no seu féretro. Apenas o bem próximos. Por que ser altruísta é também uma forma de chamar a atenção sobre si. A Madre Teresa de Calcutá que me perdoe.

Não existe “se”, a hipótese é um exercício mental. A escuridão da inexistência é uma bobagem de quem tem a vista curta. Há apenas um verbo e um tempo: sou. E dizem os malucos que nem ele existe, somos projeções em 3D. A humanidade é um bando de mamíferos perdidos na planície, e alguns, como este croniqueiro, perdem o seu tempo discutindo entre si qual será nosso destino.      

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba

Um comentário:

Unknown disse...

Fiquei emocionada, senhor Secretário, pessoa Hélio. Permite-me completar? Há apenas um tempo: HOJE.
Forte abraço.