AGENDA CULTURAL

22.3.12

Malandro é malandro - Pedro Malasartes

Seja nas artes, seja no trato com as pessoas, a figura de Pedro Malasartes continua viva, usando a esperteza como meio de vida

Por Sérgio Trajano, ilustração de Marco Carillo



Astuto, cínico, inventivo. Essas são as características mais marcantes de Pedro Malasartes, personagem tradicional da cultura brasileira, que, mais uma vez, voltou ao público no mês passado com a apresentação, em algumas sessões, da ópera homônima de Camargo Guarnieri com libreto de Mário de Andrade. A obra, que estreou há exatos 60 anos, fez parte das comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna. Figura genial, ele é capaz de criar estratagemas muito variados para enganar, burlar e lograr ricos, vaidosos, tolos e avarentos. Ele já vendeu uma panela que cozinhava sozinha, um ganso que previa o futuro e até uma árvore que brotava dinheiro. O registro oficial aponta 318 contos em que o malandro sempre sai vitorioso, mas há quem afirme que ele é inesgotável em seus expedientes de esperteza e inventividade.

O antropólogo Roberto DaMatta atribui ao trapaceiro uma das vertentes do caráter do brasileiro. Segundo ele, Malasartes é uma figura construída pelo povo em sua originalidade, em sua precisão e anonimato, em sua ânsia de justiça e inconsequência galhofeira, em sua esperança de um mundo diferente. “Resisto em associar o ‘seu jeito de ser ’ ao que hoje conhecemos como desvio de caráter, muito associado ao brasileiro de forma generalizada. Malasartes pode ser um estado de espírito, mais inserido num contexto artístico, folclórico, que traduz, sim, a nossa cultura pelo traço picaresco e cômico”, afirma Juliana Loyola, professora de literatura da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).

Para Rosangela Patriota, coordenadora do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o comportamento astuto e cínico das elites econômicas, por exemplo, cujo lema é “rouba, mas faz”, não pode ser confundido com o modo de vida de Malasartes. “Não podemos confundir a esperteza do rico, que, roubando dos pobres, quer ficar ainda mais rico, com a esperteza do pobre, que, enganando os ricos, quer conseguir algo para matar a fome”, diz a pesquisadora.

Pedro Malasartes denuncia que é possível sobreviver com esperteza e alegria em um meio em que a exploração é regra. “É por isso que ele encanta tanto e, nesse sentido, podemos entender a personagem como uma espécie de herói às avessas, já que, para o povo, o melhor modelo é o inverso àquele imposto pelo dominador”, explica Juliana.  

Mas esse malandro não é uma criação genuinamente brasileira, apesar de estar espalhado por todo o Brasil. “Ele reflete nossa profunda humanidade, cheia de sombra e luz, nesse caminho incerto chamado vida”, diz Vera Ravagnani, contadora de histórias do Centro de Cultura e Aprendizado de Botucatu, interior de São Paulo.

Oriundo da tradição oral, Malasartes saiu dos contos populares e virou ópera duas vezes. A primeira, escrita em 1932 por Camargo Guarnieri e Mário de Andrade, e a segunda, composta por Lorenzo Fernández e Graça Aranha, em 1933. Ele também foi para o cinema, em As aventuras de Pedro Malasartes, em 1960, com Mazzaropi no papel principal, e, em 1988, quando o humorista Renato Aragão criou o personagem Didi Malasartes. Na televisão, sua essência está presente atualmente também. Segundo Vera, a maneira malasartiana pode ser vista na figura de Agostinho Carrara, personagem do seriado global A grande família. “Malasartes é imortal e empresta suas tintas a todas as expressões artísticas.”©

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