AGENDA CULTURAL

21.4.12

A arte da dedicatória

A arte da dedicatória se tornou um gênero literário à parte
Daniela Arrais - Revista Metáfora

Escritas com sentimentos ou ao acaso, inscrições destinadas a amios e fãs se tornaram uma categoria própriaa de experiência literária

  Drummond autograf livo no lançamento do LP Poesias (selo Festa)
em que lê poemas com Manuel Bandeira, em setembro de 1956, na 
Livraria Itatiaia

Nunca escrevi um livro, mas imagino a tristeza que seria autografá-lo numa noite e, tempos depois, descobri-lo intacto em um sebo, com meu carinho e minha assinatura e a quase certeza de que ele foi, apenas, folheado. Fernanda Young e Daniel Galera talvez sentissem essa tristeza, estivessem eles numa sexta à tarde de dezembro de 2010, no sebo Pinheiros, em São Paulo. Numa página de Aritmética, da autora, o fotógrafo J.R. Duran foi exaltado:

“Duran, obrigada pela foto inteligente. Um grande retrato, para uma sempre inadequada escritora.”
Era 16 de abril de 2004, e, quase sete anos depois, sem riscos nem dobras, a obra repousava sobre um caixote de feira. Embaixo dele, constava um exemplar de Até o dia em que o cão morreu, do gaúcho Daniel Galera. Texto mais simples, que não demonstra uma relação maior entre o autor e o leitor.
“Para J.R. Duran, uma história de amor e perda.”

Os autógrafos de Drummond

O poeta Carlos Drummond de Andrade tinha o costrume de autografar suas obras lem forma de versos. Um presente dedicado e atencioso aos amigos. Agora, o Instituto Moreira Salles reuniu esses poemas ne improviso numa caprichada edição. Versos de circunstâncias reúne 295 poemas (229 deles inéditos) escritos entre 1951 e 1968. A obra organizasda por Eucanaã Ferraz traz os poemas em fac-símile. O título da obra remete aos três pequenos cadernos em que o autor anotava as dedicatórias antes de enviá-las a familiares e amigos, como o crítico Otto Maria Carpeaux e a escritora Lygia Fagundes Teles   
 
Uma dedicatória evoca tanta coisa… O autor escolhe dedicar um livro – à família, ao grande amor, ao responsável por sua descoberta. Em noites de autógrafos, encara filas, se desdobrando para criar frases que expressem alguma verdade. Outros se limitam a escrever um beijo, um abraço, formam a turma dos genéricos. Já quem ganha livro de presente, às vezes encontra palavras de motivação, agradecimento, amor. Quem os ama de amor táctil, como disse Caetano em Livros, provavelmente enche as paredes de casa com um número cada vez maior de exemplares, muitos deles com palavras de carinho. Quem, por falta de espaço físico ou emocional, decide livrar-se desses objetos, fornece material primoroso a quem os acha em sebos, bibliotecas, terminais de ônibus. No mesmo sebo Pinheiros, um A montanha mágica, de Thomas Mann, guarda a inscrição:
“A Renata, ‘um feitiço de simpatia’. Somos pouco visionários, talvez sabemos! O amor correrá e o beijo se disseminará célere de boca em boca”.
Renata, tão querida, tão elogiada, precisava de uns trocados? Ou quis se livrar de uma história que não teve final feliz? Algumas dedicatórias conseguem fazer com que a leitura de um livro comece antes mesmo da primeira página. Foi assim com a jornalista Larissa Brainer, que encontrou pequenas histórias de amor em livros aleatórios. A primeira estava num Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, que encontrou na casa dos pais, numa pilha de livros que seriam jogados fora.
“Lala, este é um dia comum como qualquer outro, mas com uma grande diferença, pois estamos juntos, aqui e agora. Vitória, 12/06/82, Rivo”.
– Antes mesmo de eu nascer, meu pai pegou livro emprestado e nunca devolveu. Encontrei na estante, empoeirado. A dedicatória de Dia dos Namorados fofa me fez ter mais vontade ainda de ler o livro. Imagino como pode ter sido especial aquele 12 de junho para minha xará – diz Larissa. A outra, escrita em Zen e a arte da manutenção de motocicletas, de Robert M. Pirsig, dizia:
“Na verdade, eu comprei este livro para lermos juntos. Achei que você ia gostar do fato de podermos ler alguma coisa que tem a ver com os dois e discutir, etc. Mas agora o deixo com você; é para você, foi muito por você… Amor, Jô”.
– Alexandre, meu marido, comprou o livro por um site, sem saber da existência da dedicatória. Quando o livro chegou, no que ele leu, sentiu o baque. As palavras fazem a gente sentir a dor da despedida de quem escreveu essa dedicatória. E me pergunto o que (todas as lembranças, emoções, etc.) levaria alguém a desfazer-se de um livro com uma dedicatória assim. Com frequência, Leandro Antoniasse, do sebo Avalovara, em São Paulo, encontra exemplares autografados pelos próprios autores. Dia desses achou Visão do paraíso assinado pelo autor Sérgio Buarque de Hollanda. Era uma dedicatória simples: “Um abraço cordial do amigo Sérgio”. Já Carlos Drummond de Andrade (um dos campeões das dedicatórias em sebos, avalia Antoniasse) acaba de ter suas dedicatórias em versos reunidas pelo Instituto Moreira Salles. O vendedor descobriu que o dramaturgo Plínio Marcos fazia inscrições de acordo com seu público-alvo: – Para suas mulheres, amantes, musas, ele fazia textos imensos, às vezes incluía até uma poesia. 

 Noites estreladas 

Para os autores, noites de autógrafos misturam prazer, ansiedade e dúvida sobre o que escrever a pessoas que formam a fila de cumprimentos. – O dedicado sempre espera ser tocado, e quem dedica sempre tenta ser tocante, em respeito e por afeto. Acho que o legal da dedicatória é falar banalidades, explorar o momento que aquilo está acontecendo porque a pessoa que guardar o livro vai lembrar com carinho depois. Se é amigo ou uma pessoa íntima fica mais fácil, você pode usar as palavras e piadas particulares. Mas, regra geral, o nonsense é sempre boa fonte de inspiração – afirma Bruna Beber, autora de A fila sem fim dos demônios descontentes e Balés. Bruna viveu uma situação inusitada: a de reautografar um livro. – Uma conhecida comprou meu primeiro livro num sebo e ele veio com a dedicatória da outra compradora. Antes de lançar uma obra, o autor enfrenta a decisão de dedicar seu livro a alguém em particular. Michel Laub, autor de O segundo tempo e Longe da água, fez isso só no seu primeiro livro. – Ali agradeci à família, à minha namorada na época, a todos os meus amigos, aos cachorros, etc. Depois, não fiz mais: em geral, porque não sentia que o livro tinha algo a ver com alguém em especial, ou que sem alguma pessoa o livro não existiria.  

Padrão 

Na noite de autógrafos, Laub opta por dedicatórias-padrão. – Não tento ser engraçadinho improvisando frases espertas na hora (quando tento, fica meio patético). Em geral, estou um pouco nervoso, então não arrisco e faço uma dedicatória-padrão, tipo “Para fulano, com um abraço do Michel”. A dedicatória é uma síntese, e nunca fui bom nisso – diz. Se gosta do interlocutor, Ivana Arruda Leite, de Alameda Santos, procura fazer dedicatória com alguma referência que lhe diga respeito. Ela dedica livros que dá de presente. E gosta de brincar com o nome do autor original. – Dei um livro do Amós Oz pra Andrea del Fuego e escrevi: “Para Andrea, com meu respeito e admiração, deste seu fã Amós Oz”. Gosto de pensar no significado que essas dedicatórias terão daqui a cem anos – brinca. Ivana não precisou esperar muito para saber o significado que uma dedicatória sua teve na vida de um leitor que foi ao lançamento do seu Ao homem que não me quis. – Quando ele chegou colocou o livro na minha frente, escrevi: “Este livro é pra você. Um beijo”. Na época, o homem era casado, mas Ivana soube o que ele acabou fazendo com o livro. – Ele arrancou a página da dedicatória para a mulher não ler e guarda o livro com ele até hoje. A mulher “dançou” logo depois.  
Versão de texto originalmente editado em Suplemento Literário do Diário Oficial do Estado (PE)

Blog traz dramas em pílulas
Foi por uma dedicatória que o norte-americano Shaun Raviv começou o projeto Book nscriptions (www.bookinscriptions.com), que reúne achados do gênero. Estava num bar em Manhattan, em 2002, quando viu um The road to human destiny, de Mary Lecomte du Noüy, com o escrito: "Joey, eu te amo tanto! Você ultrapassou a definião para tudo. Sempre vou apreciar nossos momentos orgásmicos. Amor e resistência, Mark".
- A dedicatória era tão forte que peguei o livro, que fala sobre um cientista na lista negra, e o li. Alguns meses depois, achei outra dedicatória e pensei que seria um hobby divertido colecioná-las - diz Raviv.
Entre suas preferidas está a do catálogo do College de Vermont, de 1970-71: "Mamãe, essa poder a última vez que vocês me veem e isso é porque Debbie é louca e, se eu ficar por perto mais tempo, estarei na mesma condição dela". 

2 comentários:

Anônimo disse...

É, Consa,ésse negócio de falar em corda na casa de enforcado...

Sabe, rapaz. Foi numa das festas do padroeiro no interior de Minas. Entusiasmado com meus primeiros escritos premiados e publicados numa coletânea, fui lá fazer o lançamento, creio que umas quatro ou cinco dezenas da obra. Fez-se aquela fila. A pessoa falava o nome por inteiro, e logo, sorridente, dizia ser filha de fulano, neta de sicrano. Então, já viu o proseio que se seguia, quase duas horas para aquela merreca de coletânea receber meu autógrafo, aquela coisa espichada...
Meu abraço, Bié.

Anônimo disse...

Hélio, creio que ficara como sempre, na hora de autografar vou tremer a letra ficara pior e escreverei algumas banalidades.
Isso tem jeito?
Emília