Fonte: coluna do Ricardo Setti
Baseada no blog de Mário Marcos
Quem me mandou a matéria por e-mail: Dr. Geraldo Costa e Silva - Araçatuba-SP
Quem me mandou a matéria por e-mail: Dr. Geraldo Costa e Silva - Araçatuba-SP
O presidente do Uruguai, José Mujica, desce de seu Fusca, que vale mil dólares
Todos
os dias ele embarca no seu Fusquinha azul de estimação, de 1.300
cilindradas (foto), e toma o rumo de seu pequeno sítio Rincón del Cerro,
nos arredores de Montevidéu, onde vive com a mulher, senadora da
República – que é a proprietária da área. A casa é discretamente vigiada
por dois seguranças.
No fim do mês, quando recebe o salário de 12,5 mil dólares como presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica separa 1,25 mil [para si] e doa o restante, cerca de 90%, a pequenas empresas e Organizações Não-Governamentais que trabalham com habitações populares.
–
Este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que
vivem com menos – costuma repetir este uruguaio de maneiras simples, 77
anos, que, em reportagem do jornal espanhol El Mundo, foi chamado de “o presidente mais pobre do mundo”.
Além de sua casa no pequeno sítio, seu único patrimômio é o Fusca avaliado em pouco mais de mil dólares.
Vida espantosamente simples
Como
transporte oficial, em vez dos carrões com ar-condicionado dos demais
presidentes, ele usa um Corsa. Sua mulher, a senadora Lúcia Topolansky,
parceira de muitos anos, também doa boa parte de seu salário.
A residência presidencial já serviu de abrigo a uma moradora de rua e seu filho. O presidente prefere não morar na mansão (Foto: ultimahoradiario.com.ar) |
O presidente da República na casa em que vive, no sítio pertencente à mulher (Foto: estadao.com.br)
Mujica
vive de forma espantosamente simples, apesar de presidir um dos países
mais importantes da América do Sul, nunca usa gravata (é quase sempre
uma camisa branca com casaco) e convive com os mesmos amigos de antes da
eleição que o conduziu ao poder.
É
capaz de pegar o Fusca, ir até uma loja de ferragem comprar um
acessório de banheiro e, no caminho, parar em um pequeno estádio para
animar os jogadores do Huracán, time da segunda divisão, e prometer um
churrasco caso subam para a Série A.
Ele não tem dívidas nem conta em banco
Sem contas bancárias ou dívidas, de acordo com El Mundo, ele apenas repete que espera concluir seu mandato para um descanso sossegado no Rincón del Cerro.
A
vida simples não é mera figuração ou tentativa de construir uma imagem,
seguindo orientações de um marqueteiro. Não, ela faz parte da própria
formação de Mujica, um homem que lutou contra a ditadura, foi preso e,
ao lado de dezenas de [guerrilheiros e terroristas] Tupamaros,
participou de uma fuga cinematográfica da antiga prisão onde hoje está o
Centro Comercial Punta Carretas, em Pocitos, lutou pela volta da
democracia e hoje é presidente eleito do país.
Tudo
isso sem abrir mão de suas convicções, em nenhum momento – a ponto de
rejeitar a ideia de mudança de sua vida por ser o chefe de uma nação. [Mujica,
que continua se considerando um político de esquerda, defende e pratica
ideias que em outras latitudes são desprezadas "neoliberais". Em
outubro de 2010, o presidente concedeu uma entrevista às Páginas
Amarelas de VEJA em que expôs suas posições, muito distantes do marxismo que defendia nos tempos de juventude.
Uma
de suas declarações fala por si: “A estatização é uma solução que foi
abandonada. Trata-se de uma receita perfeita para desenvolver uma
burocracia opressora. Continuo sendo socialista porque sou inimigo da
exploração do homem pelo homem. Isso não inclui defender um Estado
grande e um funcionalismo público inchado. Seria um desastre”.
Quanto
a querer controlar a imprensa, como ocorre com outros governos
supostamente "progressistas" do continente, o presidente não poderia ser
mais claro:
“Quando
um governo se mostra mais tolerante à diversidade, acaba ajudando a
formar uma imprensa respeitosa. Quando radicaliza nas suas políticas, no
entanto, vai tudo pro diabo. (…) A melhor lei de imprensa que existe é a
que não existe”.]
No último dia 24 de maio, por ordem de Mujica, uma moradora de rua e
seu filho foram instalados na residência presidencial, que ele não ocupa
por seguir morando no sítio. Ela só saiu de lá quando surgiu vaga em
uma instituição.
Neste início de inverno, a casa e o Palácio Suarez y Reyes, onde só
acontecem reuniões de governo, foram disponibilizadas por Mujica para
servir de abrigo a quem não tem um teto. Em julho do ano passado,
decidiu vender a residência de veraneio do governo, em Punta del Este,
por 2,7 milhões de dólares. O banco estatal República comprou e
transformará a casa em local de escritórios e espaço cultural. Quando ao
dinheiro, será inteiramente investido – por ordem de Mujica, claro – na
construção de moradias populares, além de financiar uma escola agrária
na própria região do balneário.
Nada de carros blindados
Ele nem se preocupa em reforçar seus esquemas de segurança e, ao
circular no Fusca ou em um Corsa, claramente não está a bordo de
veículos blindados.
Nem sei se é certo ou não alguém, no papel de um país, com toda a
importância que o cargo tem e nestes tempos loucos ditados muitas vezes
por fanatismo, levar a vida de uma pessoa comum.
Até acho que não. Afinal, um presidente não pode conduzir sua própria
vida. Há milhões de pessoas que deram a ele o direito de dirigir um
país e esperam não ver nada abalando esta tarefa – e é por isso que de
Barack Obama, num extremo, a Dilma Rousseff, no outro, todos os
presidentes são devidamente protegidos por fortes esquemas de segurança.
Ao ser eleito, o escolhido faz uma espécie de renúncia pública de sua
autonomia – e sabe que não terá mais tanta liberdade assim.
O que me causa profunda admiração no caso de Mujica,
independentemente das razões destacadas acima, é ver alguém que se
recusa a renunciar a suas próprias convicções, mesmo desafiando todas as
regras do protocolo. Ele pensa nestes princípios, lutou a vida inteira
por eles, arriscou sua segurança e de sua própria família, por que mudar
logo agora?
Foi eleito por isso, certamente, por suas ideias e estilo de vida.
Dane-se a liturgia do cargo, deve pensar este uruguaio. Para Mujica, ela
não tem importância. O que importa, acima de tudo, é dormir com a
consciência tranquila (…).
O mundo seria um lugar bem melhor e, com toda a certeza, muito mais
pacífico se tivéssemos outros Mujicas conduzindo países por aí.
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