AGENDA CULTURAL

26.12.12

Elogio ao ócio - Bertrand Russell



Bertrand RUSSELL. O Elogio ao Ócio. Introduzido por Howard Woodhouse; tradução Pedro Jorgensen Júnior. Rio de Janeiro, Sextante, 2002. 183p. [Título da edição original em inglês: In Praise of Idleness, Grã-Bretanha, 1935.]
R$ 24,00



Há alguns anos, quase uma década, pois o volume recentemente lido por mim tem a 2.ª edição, a de 2002, raptei o livro “O Elogio ao Ócio” de meu mano Luisinho, cujo autor é Bertrand Russel (1872-1970 – faleceu com 98 anos). O livro ficou pra cá, pra lá, mas não tinha coragem de lê-lo. Passava por cima dele e lia outros títulos.



Na verdade, apenas o primeiro capítulo trata do trabalho e do ócio, pois o livro é uma coletânea de ensaios publicados pelo autor em revistas e jornais. Como livro, foi publicado em 1935, mas a lucidez do autor o faz atual. Traz comentários da orelha do italiano Domenico De Masi.



Assim, direto ao ponto, é que Bertrand Russell inicia sua defesa ao ócio. Não que o autor desdenhe do trabalho honesto e árduo, sua objeção é contra o trabalho supérfluo de nossas longas jornadas diárias. Num mundo onde a máquina aumentou a eficiência de cada trabalhador inúmeras vezes, qual é o sentido de trabalharmos tanto quanto trabalhávamos em tempos pré-industriais? Para Russell, muitos dos males da sociedade provêm do trabalho excessivo, aliado a um ambiente urbano mal-planejado e psicologicamente devastador. Uma vez bolado "um invento com o qual as mesmas pessoas podem produzir o dobro da quantidade de alfinetes que produziam antes", e desde que "o mundo não precisa de duas vezes mais alfinetes", o mais sensato seria que "todas as pessoas envolvidas na produção de alfinetes passariam a trabalhar quatro horas por dia, em vez de oito, e tudo mais continuaria como antes." Entretanto, a vil mentalidade capitalista prefere diminuir pela metade o quadro de funcionários, mantendo uma parte da população totalmente ociosa (e faminta), enquanto a outra permanece sobrecarregada nas fábricas.(Rodrigo Dias)



Índice

O elogio ao ócio

O conhecimento inútil

A arquitetura e questões sociais

O moderno Midas

A genealogia do Fascismo

Cila e Caribde, ou Comunismo e Fascismo

Em defesa do socialismo

Sobre o cinismo juvenil

A homogeneidade moderna

Homem versus insetos

Educação e disciplina

Estoicismo e saúde mental

Sobre os cometas

O que é a alma?



Alguns trechos interessantes:



Bertrand Russell


Sobre o trabalho:

"Eu acho que se trabalha demais no mundo de hoje, que a crença nas virtudes do trabalho produz males sem conta e que nos modernos países industriais é preciso lutar por algo totalmente diferente do que sempre se apregoou."



Sobre o fascismo:

“Minha objeção básica ao fascismo é a seleção de uma parte da humanidade como a única relevante”



Sobre fascismo e comunismo:

“O efeito inevitável da moldagem artificial dos indivíduos é a produção da crueldade ou da indiferença, talvez as duas alternadamente. E de uma população com essas características não se pode esperar nada de bom”.

   

Empresários e políticos:

“Como seria agradável um mundo em que não pudesse operar na bolsa quem não tivesse passado em provas de economia e poesia grega, e onde os políticos fossem obrigados a ter sólidos conhecimentos de história e do romance moderno! Imagine um magnata confrontado com a questão: ´Se o senhor açambarcasse o mercado de trigo, que efeito causaria na poesia alemã?´”


Trecho do livro "O Elogio ao Ócio", de Bertrand Russel, páginas 29 a 31


A idéia de que os pobres devem ter direito ao lazer sempre chocou os ricos. Na Inglaterra do início do século XIX, a jornada de trabalho de um homem adulto tinha quinze horas de duração. Algumas crianças cumpriam, às vezes, essa jornada, e para outras a duração era de doze horas. Quando uns abelhudos intrometidos vieram afirmar que a jornada era longa demais, foi-lhes dito que o trabalho mantinha os adultos longe da bebida e as crianças afastadas do crime. Eu era ainda criança quando, pouco depois de os trabalhadores urbanos terem conquistado o direito de voto, e para a total indignação das classes superiores, os feriados públicos foram legalmente instituídos. Lembro-me de uma velha duquesa exclamando: 'O que querem os pobres com esses feriados? Eles deviam estar trabalhando.' Hoje em dia as pessoas sao menos francas, mas o sentimento persiste, e é fonte de boa parte de nossa confusão economica.
Não pretendo insistir no fato de que, em todas as sociedades modernas, fora a URSS, muita gente consegue escapar até mesmo de um mínimo de trabalho: os que vivem de herança e os que casam por dinheiro. Eu penso que o fato de se permitir que essas pessoas sejam ociosas não é nem de longe tão nocivo quanto o fato de se exigir dos assalariados que escolham entre o sobretrabalho e a privação.
Se o assalariado comum trabalhasse quatro horas por dia, haveria bastante para todos, e não haveria desemprego – supondo-se uma quantidade bastante modesta de bom senso organizacional. Essa idéia choca as pessoas abastadas, que estão convencidas de que os pobres não saberiam o que fazer com tanto lazer. Nos Estados Unidos, os homens costumam trabalhar longas horas, mesmo quando já desfrutam uma ótima situação, e ficam sinceramente indignados com a idéia do lazer para os trabalhadores, a não ser na forma do castigo cruel do desemprego. Na verdade, eles rejeitam o lazer até para os seus filhos. De um modo muito estranho, ao mesmo tempo que desejam que seus filhos trabalhem tanto que não tenham tempo de se civilizarem, esses homens não se importam que suas esposas e filhas não se dediquem a trabalho algum. A inutilidade esnobe, que nas sociedades aristocráticas se estende a ambos os sexos, numa plutocracia é limitada às mulheres. Isto porém não torna a inutilldade mais de acordo com o bom senso.
O uso judicioso do lazer, devo admitir, é produto da civilização e da educação. Um homem que toda a sua vida trabalhou longas horas irá se sentir entediado se ficar ocioso de repente. Mas, sem uma quantidade adequada de lazer, a pessoa fica privada de muitas coisas boas. Não há mais nenhum motivo pelo qual a maioria da população deva sofrer tal privação, e só um ascetismo tolo faz com que continuemos a insistir no excesso de trabalho quando não há mais necessidade. Mas o que acontecerá quando se chegar à situação em que o conforto seja acessível a todos sem a necessidade de tantas horas de trabalho?
No Ocidente, temos várias formas de lidar com esse problema. Não nos empcnhamos nem um pouce na realização da justiça econômica, de modo que a maior parte do produto total fica nas mãos de uma minoria, boa parte da qual simplesmente não trabalha.
Devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se torna dispensável justamente porque se impõe o sobretrabalho à outra parcela. Quando esse método se revela inadequado, fazemos a guerra: colocamos um monte de gente para fabricar explosivos e outro tanto para explodi-los, tal como crianças que acabaram de descobrir os fogos de artifício. Combinando todos esses mecanismos, somos capazes, ainda que que com alguma dificuldade de manter viva a noção de que uma grande quantidade de trabalho manual é o quinhão inevitável do homem comum.
Movimentar a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é, decididamente, um dos objetivos da vida humana. Se fosse, teríamos de considerar qualquer operador de britadeira superior a Shakespeare. Fomos enganados nessa questão por dois motivos. Um é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do trabalho, enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto. O outro são os novos prazeres do maquinismo, que nos delicia com as espantosas transformações que podemos produzir na superfície da Terra. Nenhum desses motivos exerce um especial fascínio sobre o verdadeiro trabalhador. Se lhe perguntarmos qual é a melhor parte de sua vida, ele dificilmente responderá: 'É o trabalho manual, que sinto como a realização da mais nobre das tarefas humanas, e também porque fico feliz em pensar na capacidade que tem o homem de transformar o planeta. É verdade que meu corpo precisa de horas de descanso, que procuro preencher da melhor forma, mas meu maior prazer é ver raiar o dia para poder voltar ao trabalho, que é a fonte da minha felicidade.' Nunca ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum trabalhador. Eles encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida lhes permite desfrutar.


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