Bertrand
RUSSELL. O Elogio ao Ócio. Introduzido por Howard Woodhouse; tradução Pedro
Jorgensen Júnior. Rio de Janeiro, Sextante, 2002. 183p. [Título da edição
original em inglês: In Praise of Idleness, Grã-Bretanha, 1935.]
R$ 24,00
Há
alguns anos, quase uma década, pois o volume recentemente lido por mim tem a
2.ª edição, a de 2002, raptei o livro “O Elogio ao Ócio” de meu mano Luisinho,
cujo autor é Bertrand Russel (1872-1970 – faleceu com 98 anos). O livro ficou pra
cá, pra lá, mas não tinha coragem de lê-lo. Passava por cima dele e lia outros
títulos.
Na
verdade, apenas o primeiro capítulo trata do trabalho e do ócio, pois o livro é
uma coletânea de ensaios publicados pelo autor em revistas e jornais. Como
livro, foi publicado em 1935, mas a lucidez do autor o faz atual. Traz
comentários da orelha do italiano Domenico De Masi.
Assim, direto ao
ponto, é que Bertrand Russell inicia sua defesa ao ócio. Não que o autor
desdenhe do trabalho honesto e árduo, sua objeção é contra o trabalho supérfluo
de nossas longas jornadas diárias. Num mundo onde a máquina aumentou a
eficiência de cada trabalhador inúmeras vezes, qual é o sentido de trabalharmos
tanto quanto trabalhávamos em tempos pré-industriais? Para Russell, muitos dos
males da sociedade provêm do trabalho excessivo, aliado a um ambiente urbano
mal-planejado e psicologicamente devastador. Uma vez bolado "um invento
com o qual as mesmas pessoas podem produzir o dobro da quantidade de alfinetes
que produziam antes", e desde que "o mundo não precisa de duas vezes
mais alfinetes", o mais sensato seria que "todas as pessoas
envolvidas na produção de alfinetes passariam a trabalhar quatro horas por dia,
em vez de oito, e tudo mais continuaria como antes." Entretanto, a vil
mentalidade capitalista prefere diminuir pela metade o quadro de funcionários,
mantendo uma parte da população totalmente ociosa (e faminta), enquanto a outra
permanece sobrecarregada nas fábricas.(Rodrigo
Dias)
Índice
O
elogio ao ócio
O
conhecimento inútil
A
arquitetura e questões sociais
O
moderno Midas
A
genealogia do Fascismo
Cila
e Caribde, ou Comunismo e Fascismo
Em
defesa do socialismo
Sobre
o cinismo juvenil
A
homogeneidade moderna
Homem
versus insetos
Educação
e disciplina
Estoicismo
e saúde mental
Sobre
os cometas
O
que é a alma?
Alguns
trechos interessantes:
Bertrand Russell |
Sobre o
trabalho:
"Eu
acho que se trabalha demais no mundo de hoje, que a crença nas virtudes do
trabalho produz males sem conta e que nos modernos países industriais é preciso
lutar por algo totalmente diferente do que sempre se apregoou."
Sobre o
fascismo:
“Minha
objeção básica ao fascismo é a seleção de uma parte da humanidade como a única
relevante”
Sobre fascismo e
comunismo:
“O
efeito inevitável da moldagem artificial dos indivíduos é a produção da
crueldade ou da indiferença, talvez as duas alternadamente. E de uma população
com essas características não se pode esperar nada de bom”.
Empresários e
políticos:
“Como
seria agradável um mundo em que não pudesse operar na bolsa quem não tivesse
passado em provas de economia e poesia grega, e onde os políticos fossem
obrigados a ter sólidos conhecimentos de história e do romance moderno! Imagine
um magnata confrontado com a questão: ´Se o senhor açambarcasse o mercado de
trigo, que efeito causaria na poesia alemã?´”
Trecho do livro "O Elogio ao Ócio", de Bertrand Russel, páginas 29 a 31
Não pretendo insistir no fato de que, em todas as sociedades modernas, fora a URSS, muita gente consegue escapar até mesmo de um mínimo de trabalho: os que vivem de herança e os que casam por dinheiro. Eu penso que o fato de se permitir que essas pessoas sejam ociosas não é nem de longe tão nocivo quanto o fato de se exigir dos assalariados que escolham entre o sobretrabalho e a privação.
Se o assalariado comum trabalhasse quatro horas por dia, haveria bastante para todos, e não haveria desemprego – supondo-se uma quantidade bastante modesta de bom senso organizacional. Essa idéia choca as pessoas abastadas, que estão convencidas de que os pobres não saberiam o que fazer com tanto lazer. Nos Estados Unidos, os homens costumam trabalhar longas horas, mesmo quando já desfrutam uma ótima situação, e ficam sinceramente indignados com a idéia do lazer para os trabalhadores, a não ser na forma do castigo cruel do desemprego. Na verdade, eles rejeitam o lazer até para os seus filhos. De um modo muito estranho, ao mesmo tempo que desejam que seus filhos trabalhem tanto que não tenham tempo de se civilizarem, esses homens não se importam que suas esposas e filhas não se dediquem a trabalho algum. A inutilidade esnobe, que nas sociedades aristocráticas se estende a ambos os sexos, numa plutocracia é limitada às mulheres. Isto porém não torna a inutilldade mais de acordo com o bom senso.
O uso judicioso do lazer, devo admitir, é produto da civilização e da educação. Um homem que toda a sua vida trabalhou longas horas irá se sentir entediado se ficar ocioso de repente. Mas, sem uma quantidade adequada de lazer, a pessoa fica privada de muitas coisas boas. Não há mais nenhum motivo pelo qual a maioria da população deva sofrer tal privação, e só um ascetismo tolo faz com que continuemos a insistir no excesso de trabalho quando não há mais necessidade. Mas o que acontecerá quando se chegar à situação em que o conforto seja acessível a todos sem a necessidade de tantas horas de trabalho?
No Ocidente, temos várias formas de lidar com esse problema. Não nos empcnhamos nem um pouce na realização da justiça econômica, de modo que a maior parte do produto total fica nas mãos de uma minoria, boa parte da qual simplesmente não trabalha.
Devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se torna dispensável justamente porque se impõe o sobretrabalho à outra parcela. Quando esse método se revela inadequado, fazemos a guerra: colocamos um monte de gente para fabricar explosivos e outro tanto para explodi-los, tal como crianças que acabaram de descobrir os fogos de artifício. Combinando todos esses mecanismos, somos capazes, ainda que que com alguma dificuldade de manter viva a noção de que uma grande quantidade de trabalho manual é o quinhão inevitável do homem comum.
Movimentar a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é, decididamente, um dos objetivos da vida humana. Se fosse, teríamos de considerar qualquer operador de britadeira superior a Shakespeare. Fomos enganados nessa questão por dois motivos. Um é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do trabalho, enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto. O outro são os novos prazeres do maquinismo, que nos delicia com as espantosas transformações que podemos produzir na superfície da Terra. Nenhum desses motivos exerce um especial fascínio sobre o verdadeiro trabalhador. Se lhe perguntarmos qual é a melhor parte de sua vida, ele dificilmente responderá: 'É o trabalho manual, que sinto como a realização da mais nobre das tarefas humanas, e também porque fico feliz em pensar na capacidade que tem o homem de transformar o planeta. É verdade que meu corpo precisa de horas de descanso, que procuro preencher da melhor forma, mas meu maior prazer é ver raiar o dia para poder voltar ao trabalho, que é a fonte da minha felicidade.' Nunca ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum trabalhador. Eles encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida lhes permite desfrutar.
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