AGENDA CULTURAL

25.12.13

O que é uma cidade criativa?

Li o livro “O que é uma cidade criativa”, de Elsa Vivant, editora Senac. Boa leitura para quem trabalha com cultura ou com qualquer ramo da administração pública.
Nele a autora inseriu dois artigos, graficamente destacados. Abaixo, reproduzimos o primeiro.
Capa do livro
A boêmia em Paris, representação mítica do artista

No século 20, emerge a figura do artista romântico independente, inspirado e singular, que, para exercer seu talento e seu dom, abstrai dificuldades materiais, correndo o risco de viver na miséria.
Ele não vive de sua arte, mas para a arte. Seu sucesso não mais depende da boa vontade dos mecenas e dos contratantes, mas se avalia de acordo com o mercado da arte, resposta econômica ao crescimento numérico da população artista.

A transgressão dos códigos e das normas é critério de valorização e o modo de apreciação de uma obra. O artista assume  riscos ao propor novas formas estéticas, novas definições da arte, que estão acima da transação (Moulin, 1992).
A incerteza do sucesso implica condições de vida miseráveis, que, transformadas em virtudes, constituem aquilo que garante a liberdade criadora do artista. Os artistas  aspirantes aceitam essa incerteza e assumem a escolha de uma vida marginal e miserável para seguir sua vocação. 

Eles vivem à margem de uma sociedade que frequentam: os burgueses ricos são seus clientes, e os pobres, seus companheiros de infortúnio. Sua instalação em certos bairros e próximos uns aos outros contribui para sua legitimação, para a construção de redes pessoais e profissionais e para a conversão da imagem da singularidade e da excentricidade em atributos positivos da construção da identidade do artista.

A emergência dessa nova categoria se inscreve em um contexto social e político particular: o nascimento da democracia sobre as ruínas do regime aristocrático. Depois da Revolução Francesa, muitos jovens aristocratas decadentes se engajaram em uma vida boêmia, em reação à perda de seu poder político.
Instalar-se em uma vida de artista que não respeita obrigações e conveniências sociais é uma forma de conservar um poder simbólico perante a burguesia em ascensão. Não se deixando ditar por comportamento ou modos de vida forjados pela concepção burguesa de sucesso e de família, eles resistem a sua decadência enunciando novas concepções da elite (Heinich, 2005).

O ódio ao burguês encontra suas origens nessa redistribuição pós-revolucionária das cartas do prestígio social e do poder econômico e político. Reciprocamente, a fascinação burguesa pelo universo da arte é uma busca do prestígio simbólico.


Assim, esses jovens aristocratas contribuíram para o deslocamento dos valores aristocráticos em direção ao mundo artístico e para a valorização do status do artista. O privilégio de nascer herdeiro dá lugar ao dom inato; a importância do nome herdado torna-se aquela do renome. O prestígio do artista corresponde à aristocratização de seu status na recusa ao emburguesamento. 

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