AGENDA CULTURAL

15.6.14

Desculpas, dona Dilma


Por Luiz Caversan, 
15/06/2014

Cara dona Dilma,

dirijo-me à senhora Dilma Rousseff pessoa física mesmo, não à presidente do meu país, e chamando-a de dona porque foi assim que aprendi a me dirigir a pessoas do sexo feminino que já tenham uma certa idade e sejam mães ou avós de família.

E sabe onde aprendi como me dirigir educadamente a quem quer que seja, mas principalmente às senhoras?
Foi na zona leste, dona Dilma, lá mesmo pras bandas do estádio em que a senhora foi tão rude e desrespeitosamente tratada na última quinta-feira.
Tendo nascido e sido criado naquele cantão da cidade e conhecedor da índole daquele povo todo, dona Dilma, eu humildemente peço desculpas pelo tratamento que a senhora recebeu ali no nosso pedaço. E tenho toda a serenidade do mundo para lhe garantir: não fomos nós, povo da Zona Leste, que a ofendeu daquele jeito.

Ah, não foi mesmo, viu?

Sabe por quê? Porque mandar uma senhora como a senhora pro lugar onde a mandaram já resultou em muita briga e até morte pra aquelas bandas. Isso não se faz, ninguém por ali deixa barato ir xingando assim a mãe dos outros, ainda mais com a filha sentada do lado, onde já se viu?

A gente boa da zona leste, dona Dilma, não é disso, não.

Respeita pra ser respeitada.

Tampouco é um pessoal que fica adulando poderosos ou puxando o saco de quem quer que seja, não se trata disso. Se é pra protestar, o povo protesta. Se é pra vaiar, vaia.

Mas a educação que a gente recebeu em casa ensinou que não se fala palavrão para uma senhora e não é desta maneira, ofendendo a todos os que ouviram os absurdos que lhe disseram, que se vai se mudar alguma coisa, qualquer coisa.

Não, dona Dilma, não fomos nós da ZL que xingamos a senhora –eu falo nós, embora não more mais por aquelas bandas, porque meu coração nunca sairá de lá, e vira e mexe estou zanzando por ali, visitando gente amiga na Penha, Vila Esperança, Vila Granada, Vila Ré, Guaianases, Itaquera…

Também achei necessário me dirigir à senhora, dona Dilma, porque uns amigos que foram ao jogo me informaram que os xingamentos, as palavras de baixo calão vieram principalmente do setor do estádio em que os ingressos custavam quase mil reais ou as cadeiras eram ocupadas por VIPs –e milão prum ingresso não rola aqui na ZL, não, muito menos a gente é very important people pra receber este tipo de convite.

De modo que, mesmo sem procuração, falo em nome da gente boa da ZL para não apenas me desculpar pela grosseria, pela deselegância e pelas ofensas que foi obrigada a ouvir, mas também para fazer um convite: aparece de novo lá no nosso estádio!
Mas vai num dia de jogo do Timão.

Olha, pode ser até que a senhora ouça alguma vaia, viu, porque afinal é difícil separar uma mulher que tem filha e neto, e já merece respeito apenas por isso, da presidente da República – e ali a gente vota como quer, respeita opinião diferente e acredita em democracia.

Agora, garanto que com o estádio sem toda aquela gente diferenciada que tomou conta de Itaquera no jogo do Brasil, ninguém vai mandar a senhora àquela parte, não.

Porque se algum engraçadinho se atrever a fazer isso, vai acabar levando um tapa na boca.

Porque é assim que fomos educados.

Um abraço pra senhora e um beijo pro Gabriel, seu neto, que aliás tem o mesmo nome do meu.

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos ‘Cotidiano’, ‘Ilustrada’ e ‘Dinheiro’, entre outras funções. Escreve aos sábados.

9 comentários:

Orlando Lisboa disse...

Um manifesto interessante. Respeito às pessoas, respeito à autoridade e bom senso. Nota dez.

Anônimo disse...

"Quem forma vinha colhe uva, quem planta chuva colhe tempestade!"

CESAR CRUZ disse...

Gostei do artigo. Foi isso mesmo o que achei, desde o primeiro grito: uma grosseria que faz, qualquer um, perder a razão, ainda que a tenha.

Abços
Cesar Cruz
Escritor - SP

Unknown disse...

Eu me coloquei no lugar da presidente e, como mulher, senti-me enojada. Mesmo que ela não fosse a autoridade máxima de nosso país, só por ser um ser humano já merece respeito, ainda mais em se tratando de um milhares de pessoas. Aquilo foi como se uma multidão estivesse apedrejando alguém em praça pública. Muito bom o artigo e pertinente.

Unknown disse...

Senti-me como mulher enojada com esse incidente. Mesmo que ela não fosse a autoridade máxima de nosso país, como ser humano deveria ser respeitada. Parecia um apedrejamento em praça pública. Excelente o artigo e espero que ela tenha percebido que o pessoal que estava naquela arena, não eram pessoas, mas leões famintos.

Luiz Alberto disse...

Nonagenários que foram ao círculo militar do Rio de Janeiro, em certa ocasião, foram recebidos com cusparadas. Foram eles, algum dia, autoridades. Ademais, hoje são idosos. Tenho certeza que o senhor, na Zona Leste, aprendeu a não desrespeitar os idosos, principalmente com uma ofensa moral tão grave quanto uma cusparada! No entanto, aqueles jovens "manifestantes" se arrogavam o direito de achicalhá-los pois teriam exercido sua autoridade no período da ditadura. Ora, por este raciocínio, este mesmo o qual o senhor autor da coluna, comunista, defende, podemos e devemos xingar a dona Dilma,que exerce seu poder agora nos nossos dias! (o dona aqui usado com muita ironia) O "negócio" senhor Luiz Caversan, é o senhor atentar-se às sábias palavras de Oswaldo Meira Penna: "Os marxistas inteligentes são patifes; os marxistas honestos são burros; e os inteligentes e honestos nunca são marxistas."

Anônimo disse...

Aplaudi o artigo, gostei. Os chincalhes dirigidas a presidente Dilma foram proferidos por uma raspa da sociedade, uma turba de deseducados, maus amados e acima de tudo: "Marginais Arruaceiros". Nunca fui PT e tbem nunca votei nesse partido, mas descer e chafurdar em um esgoto de impropérios contra o mandatário maior desse país, eleito pelo voto direto, isso eu não participo, aliás abomino.

Hélio Consolaro disse...

Recebi e-mail de Lúcia Reis que reproduzo aqui:

Essa carta de desculpas à Dona Dilma é muito preconceituosa contra as mulheres. O cara que escreveu, se é que existe, dá a impressão de achar que uma mulher, após certa idade, é uma baranga. Acha que idosa é um lixo e por aí vai.

Nós mulheres não temos nada a ver com as trapalhadas da presidente.

Lucia Reis

Manoel disse...

Parabéns, estamos num país democrático, a eleição está próxima, não havia necessidade de uma baixaria daquelas.