AGENDA CULTURAL

3.8.14

Ser do mesmo lugar



Hélio Consolaro*

Na minha última ida a São Paulo, a nossa capital, vivi duas realidades diferentes. Hospedei-me no hotel Braston São Paulo, rua Martins Fontes (Bela Vista) bem defronte à rua Avanhandava e visitei o Jardim Romano, periferia de São Paulo, quando conheci o Beco da Rata.

O empresário Walter Mancini decidiu investir sozinho na revitalização da rua, pois havia adquirido com o passar dos anos (desde 1980)os imóveis daquele pedaço da Rua Avanhandava e reformou as calçadas sem nenhuma ajuda da prefeitura em 2007. Ajudou a cidade e valorizou seus imóveis.

Um internauta escreveu “ainda não decidi se [a ruaAvanhandava] fica mais bonita em uma tarde de sol, em uma noite romântica de garoa, ou no finzinho da tarde, quando ainda não terminou de escurecer mas as luzes já estão acesas”.

Hoje a rua de calçamento abriga oito empreendimentos da famíliaMancini. São restaurantes e lojas cercados por seguranças e beleza no centro antigo da cidade.

A cidade de São Paulo sempre nos surpreende com seus cantos, lugares bonitos que nosdeixam boquiabertos. Foi muito bom tomar lanche no Café Marokita, parecia que eu estava nos bares dos calçadões de Milão.

Escrever sobre as diferenças sociais entre o Beco da Rata e a ruaAvanhandava resvala pelos discursos marxistas de minha adolescência, quando se confrontava riqueza e pobreza. Não estou dizendo que eles não são válidos, mas este texto tem outros objetivos.  
Arte nas ruas do Jardim Romano, periferia de São Paulo, onde fica o Beco da Rata. Trabalho do Coletivo Estopô Balaio
Tanto os comerciantes da ruaAvanhandava, com seus carros modernos, se orgulham do lugar, quanto os moradores do Beco da Rata, apesar da insalubridade, não desistiram da vida, pois as bandeirolas verde-amarelas tremulando entre as casas indicavam um sentimento de orgulho de ser brasileiro.

A poetisa do Jardim Romano, cria do Coletivo Estofô Balaio, grupo com residência artística no bairro, mora realmente dentro de um buraco. Talvez, daí o apelido de “Rata”. Ao vê-la, tão moça, saindo de seu buraco para obeco para ver os visitantes passarem, perguntei-lhe:

- Qual é nome desse beco?

Pega pela pergunta repentina, sem ter resposta na ponta da língua, inventou uma resposta:

- Beco da Rata!   

Beco das Ratas - durante a visita de gestores culturais de municípios do Estado de São Paulo
Mesmo sendo tratada como ratazana, conseguiu transcender a pobreza e fazer seus versos e postá-los no Facebook. Seus sentimentos de pertencer a São Paulo não são menores e nem menos que os da família Mancini.

A arte rompe barreiras. Ser do mesmo lugar, mas de modos diferentes.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

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