AGENDA CULTURAL

24.1.15

Zezé Motta: "Não tenho mais medo da velhice"

Aos 70 anos e depois de cinco casamentos, atriz não está preocupada em encontrar um novo amor. No ar em 'Boogie Oogie', ela conta que, na época do sucesso do filme Xica da Silva, que a alçou a símbolo sexual, sentia-se obrigada a não decepcionar os parceiros de cama

Dona de uma gargalhada generosa, Zezé Motta recebeu a revista QUEM em sua casa, no Rio de Janeiro, para uma conversa na qual passa a limpo parte de seus 70 anos. “Estou achando legal ter 70... Quer dizer, se a gente pudesse escolher, não passaria dos 30, né?”, diverte-se a atriz, no ar como Sebastiana, a devotada mãe de Tadeu (Fabrício Boliveira), na novela Boogie Oogie. Na vida real ela também fala com orgulho dos cinco filhos adotivos – Luciana, Nadine, Sirlene, Carla, Cíntia e Robson. Zezé sofreu três abortos espontâneos e, apesar dos baques, não reclama da vida.
No lado profissional, lembra que com Xica da Silva, personagem-título do filme de Cacá Diegues de 1976, teve seu talento reconhecido. Por causa de Xica, Zezé foi parar no psicanalista: eleita à condição de símbolo sexual, sentia-se obrigada a corresponder à expectativa dos parceiros e não decepcioná-los na cama. “Esquecia do meu prazer”, conta ela, com a mesma franqueza com a qual assume ter passado, na adolescência, por um processo de “embranquecimento”, quando se achava feia. Só reavaliou seus conceitos após uma viagem aos Estados Unidos, na década de 60.
QUEM:  De que forma o convite para interpretar Sebastiana instigou-a a voltar às novelas?
ZEZÉ MOTTA: 
Eu estava com saudade de fazer TV. E adorei quando soube que seria mãe novamente do Fabrício Boliveira, que é um fofo. Ele já tinha sido meu filho em Sinhá Moça (2006) e é um sonho de ator. Com o Ricardo Waddington eu também não trabalhava há séculos, ele ainda nem era diretor de núcleo na última vez.

QUEM:  Sua personagem tem muito orgulho do filho. Como é a Zezé mãe?
ZM:
 Também sou bem mãezona, de ficar mostrando fotos no celular. Como toda mãe, fico emocionada em ver as meninas crescendo, conquistando espaço no mercado de trabalho. Sou um pouquinho rígida, porque fui criada assim, mas com um tempero de conversa e carinho. Tento ser aberta ao diálogo, minhas filhas não têm o menor pudor de abrir o jogo comigo sobre qualquer assunto.
QUEM:  O fato de não ter tido filhos naturalmente foi um problema?
ZM:
 Às vezes rola uma melancolia não por eu não ter tido, mas por ter perdido. Cheguei a engravidar três vezes, mas tinha útero infantil. Na primeira delas, quando fui comunicar ao pai do bebê, ele disse que estava apaixonado por outra mulher. Senti cólica na hora e no mesmo dia apareceu um sangramento. Eu não podia pegar avião, pegar peso, me aborrecer, me emocionar... Depois perdi o segundo discutindo com o marido. Na última vez que engravidei, meu marido queria muito ter um filho comigo. Eu estava com uns 35 anos, mas tive outro aborto.
QUEM:  Como é chegar aos 70 anos?
ZM: 
Com certeza é uma data marcante. Eu nunca escondi a idade. Estou achando legal ter 70... Quer dizer, se a gente pudesse escolher, não passaria dos 30, né? (gargalhada). Mas existem algumas vantagens, por exemplo: eu tive a crise dos 30, dos 40, dos 50 e dos 60. E de repente aos 70 não, desencanei.

QUEM:  Que crises foram essas?
ZM: 
Ah, essas coisas da velhice, da passagem do tempo, é uma doideira. Não tenho mais medo da velhice. É inevitável o sofrimento, sofrer faz parte.
QUEM:  Qual foi o maior ganho obtido por você ao protagonizar Xica da Silva (1976)?
ZM:
 O filme me tornou popular no Brasil, no mundo. Até hoje as pessoas me chamam de Xica da Silva e com ele finquei o pé na carreira. Me trouxe muita coisa boa. Depois disso fiz mais quatro longas com Cacá Diegues. Xica me levou a 16 países. Quer dizer, não posso falar que não ganhei nada, porque é uma experiência fantástica viajar pelo mundo sem pagar hotel, alimentação, passagem.
QUEM:  Sem contar a importância cultural...
ZM: 
Não posso reclamar da vida, todo ator sonha com um papel assim. Enquanto existir discriminação, a luta continua. A Zezé Motta não é discriminada, mas enquanto tiver uma Maria José discriminada, farei parte do movimento.

QUEM:  Em Xica você se tornou um símbolo sexual do país. Como foi lidar com isso?
ZM: 
Olha, foi uma coisa meio doida, porque a Xica ficou no imaginário masculino. Todo mundo queria transar com ela (risos). Diziam: “Ai, se eu contar para o meu amigo que eu transei com a Xica da Silva, ele não vai acreditar!”.
QUEM:  Você entrava nessa pilha das pessoas? De satisfazer o desejo?
ZM: 
Eu tive esse problema
sim, havia uma grande responsabilidade, que era não decepcionar os parceiros.
QUEM:  Como assim?
ZM: 
Tive que fazer análise pelo seguinte: eu me sentia no dever, bom, toda mulher, toda pessoa se sente no dever de satisfazer o seu parceiro na hora do sexo, mas para mim virou uma responsabilidade deste tamanho (fala gargalhando). Do tamanho do mundo! Mas eu não podia decepcionar, ficava no delírio. E esquecia do meu prazer... Era uma preocupação grande não decepcionar... Pensava: “O que a Xica faria?”. Aí parei no psicanalista.
QUEM:  Você chegou a ter um momento de negação por causa da sua cor?
ZM: 
Ah, na adolescência tive a fase de embranquecimento. Minhas amigas diziam: “Seu nariz é chato, seu cabelo é ruim, sua bunda é grande”. E aí comecei a não gostar de nada em mim... Eu alisava o cabelo. Em cima do cabelo liso, usava uma peruca Chanel. Nada contra quem alisa o cabelo. O problema é que eu alisava para embranquecer. Pensava em fazer plástica no nariz. Cheguei ao ponto de investigar se havia alguma cirurgia para diminuir o bumbum (risos).
QUEM:  Como mudou essa mentalidade na sua vida?
ZM: 
Foi quando cheguei aos Estados Unidos, em 1969, em pleno momento Black is Beautiful. Comecei a olhar as mulheres e os homens e falei: “Gente, eles são bonitos”. E aí cheguei à conclusão: “Por que eu não acho que nós, negros, no Brasil somos bonitos?”. Descobri que era questão da autoestima bem resolvida.

QUEM:  Como é seu lado espiritual?
ZM:
 Como todo mundo, acho que a gente está sempre em busca de uma coisa. Fiz parte do Santo Daime... Eu me batizei com 15 anos, minha mãe é testemunha de Jeová, depois eu me afastei, hoje eu sou desassociada. Durante um ano tomei o chá do Daime, foi uma experiência interessante. É um chá que trabalha o autoconhecimento. Mas de repente descobri que tenho um pezinho no pânico, fiquei com um pouco de medo.

QUEM:  O que aconteceu?
ZM: 
Eu via coisas (risos). Lembro que uma vez fui experimentar o feitio do Daime, que é o chá mais forte, e aí precisei tomar um ar. Saí da sala, fui dar uma volta no mato e me perdi. E me lembro de entrar em pânico. Com o Daime então você fica muito sensível.
QUEM:  Foi uma bad trip?
ZM: 
É, uma coisa de passar mal, aí eu falei: “Ah, não”. Mas eu sou brasileira! O importante é você ter um link com a divindade.
QUEM:  Você foi casada cinco vezes. Ainda acredita em casamento?
ZM: 
Acredito, mas teria dificuldade hoje em dia. Faz mais de dez anos que não estou casada. Gosto de ficar junto, mas estou solteiríssima. Tenho expectativa, mas não pressa. O amor é bem-vindo. O problema é que os homens da minha idade ou estão casados ou gostam de mulheres mais jovens ou cuidaram mal da saúde.


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