Tharso
Ferreira*
Publicado no jornal O LIBERAL, 25/6/2015, coluna Academus, caderno ETC
Publicado no jornal O LIBERAL, 25/6/2015, coluna Academus, caderno ETC
Pois bem, fui chamado para
escrever aqui, convidado por um novato como eu da Academia de letras, por certo
ele não me conhece direito, daí o convite. Não tenho papas na língua, intelectual
só tem a fala, e a palavra escrita uso como faca, minha lâmina afiada já me
custou algumas prisões e inimigos
vorazes, aqueles que quando ouvem verdades enchem os olhos de sangue. Já fui
tirado de salas, esquecido por grupos e abandonado por mulheres, mas nunca
abandonei o gume de minha navalha e ela, fiel, nunca me abandonou. Tenho que
fazer justiça aqui, minhas palavras também já me livraram de poucas e boas, as
palavras são santas ditas no momento certo, morre-se e vive-se pela palavra que
se solta ao vento.
Trabalhei em jornais no
tempo em que eram feitos no chumbo. Altas madrugadas amarrando linotipos com
barbante para serem prensados na calandra, tomando leite com groselha e
esperando notícias pelo rádio. Amava os velhos jornalistas, símbolos do nosso
futuro com suas máquinas de datilografia que pipocavam com velocidade em meio aos cantos da coruja. Foi
nessas noites com cheiro de chumbo que senti meus primeiros calafrios de
decepção com o meu País, que só passei a enxergar observando aqueles mestres
todos.
Em 1973 Lula nem existia, era
um operário mínimo sem o dedo mínimo em uma metalúrgica qualquer e fazendo pano
de fundo no Sindicato quando foi achado pelos intelectuais de esquerda e o
doutrinaram, aprendeu a mexer o doce do socialismo como ninguém. Vocês jovens
de hoje, e alguns velhos também, não sabem como é difícil para gente como eu
falar mal do Lula, mesmo carregado com as burrices contemporâneas dos políticos
ainda acho que o língua presa fez muita
coisa boa para os mínimos deste País.
Hoje não morro de amores por
ele, virou político, e político tem que ser oco, ele já virou um pau oco, ouve,
mas não faz mais, sai do outro lado. Mas imagine aí Lula no meu tempo. Era um
cara apaixonante, uma jóia para jovenzinhos socialistas como eu, era tudo
diferente naqueles dias de chumbo, tudo era novidade, muito diferente da cor
preta sem esperanças que temos no horizonte hoje em dia sem um salvador da
pátria sequer. Lula era o cara! Os políticos daquela época eram burros, mas
inocentes, coronéis com dinheiro para colocar na política. Diferente dos burros
de hoje que continuam ficando cada vez mais ricos, pois perderam a inocência e
tiram dinheiro de nós sem dó, sem piedade, viraram craques do cinismo
absolutista.
Essa política que está aí não é a política que fazíamos nas
caladas madrugais ao som dos Novos Baianos em longas conversas antes dos
editoriais de fogo, bebericando leite com groselha com pão e mortadela.
Perdemos a mão em algum lugar e foi dar nesta mediocridade que está aí, nesta
gente sem valor que tomou nossas assembléias, nosso senado e nosso cenário
político. Viramos covardes de carteirinha, e alguns até admiram aqueles que nos roubam, o primeiro foi Maluf, o deus
do “roubo, mas faço”. Perdemos a vergonha, o caráter, pois temos exemplos na
cúpula. Os jovens de hoje não tem modelos para admirar. Estamos pobres na
música, na política, nos esportes, na literatura. Estamos sem deuses de carne.
Estamos perdidos, degelando feitos icebergs derretendo dentro do nada. Lula
acabou com muitos miseráveis, foram milhões enxotados longe da miséria, mas
continuaram miseráveis na cultura, nas letras, no raciocínio. Não sabemos
questionar, criticar, duvidar. Não temos caminhos, seguimos o bloco “Maria vai
com as outras”, às tontas, estamos perdidos com assuntos narcisistas,
agressivos, dependentes. Inventamos palavras, “diabofobia, cristofobia,
infantolatria”, para diagnosticar nosso vazio de mundo, fazemos passeata para
discutirmos assuntos que deveriam ser superados ou até ignorados, continuamos
mais endinheirados, mas mais burros, e um burro com um pouquinho de bolso é um
desastre. O Brasil não progride não é por conta da roubalheira, é por conta da
burrice.
*Tharso José Ferreira é escritor e acadêmico da Academia Araçatubense
de Letras de Araçatuba-SP
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