Ao ouvir o nome Tico Santa Cruz, a primeira coisa que vem à mente do interlocutor é o lado polêmico do cantor e escritor que se acostumou a opinar sobre tudo o que vem à cabeça. Essa atitude, associada à aparência – ele tem 80% do corpo tatuado –, criou a imagem de rebelde. Mas Tico também pode ser doce. E foi justamente esse lado inesperado que a equipe de QUEM conheceu em sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio.
Na sala de visitas, uma estante cobre a parede e surpreende com autores que vão de Nietzsche e Michel Foucault a Gilberto Freire e Mary Del Priore. “Sou um leitor voraz”, afirma ele, que já lançou três livros.
O mais recente é o elogiado romance policial Pólvora. Logo surgem seus filhos,Lucas, de 13 anos, e Bárbara Odara, de 6, de seu casamento com Luciana Rocha. A caçula vai ao pai, dá um beijo no rosto e diz tchau. Nesse instante, o Tico de fala firme muda: "Tchau, borboletinha. Boa aula". A menina sorri, pula no seu colo e dá um abraço. "Mostra a janelinha", diz, referindo-se aos dois dentes de leite da filha que tinham caído há poucos dias. É esse misto de acidez e doçura que Tico revela nesta entrevista.
QUEM: Quais foram as inspirações para Pólvora, seu primeiro policial?
TICO Santa Cruz: É uma coisa bem estrada, on the road. É a história de um cara que tem uma vida monótona e se apaixona por uma mulher sádica. Eles começam a viver um romance inspirado em violência, sexo, drogas. É um livro mais pesadão. Tem uma roupagem Tarantino.
QUEM: Soube que você também pensa em escrever para o público infantil. Como será?
TSC: Já tenho material escrito, só falta ilustrar. Chama-se O Elefante e a Borboleta. É a história de um elefante que fica preso num zoológico e de uma borboleta que pode voar para todos os lugares, mas opta por estar ao lado dele.
QUEM: Você gosta mais do Tico cantor ou escritor?
TSC: Quando estou cantando, me divirto coletivamente. Canaliza uma energia muito forte. O rock é assim: forte, intenso. Quando estou escrevendo, é uma coisa solitária, particular. É um equilíbrio bom.
QUEM: No site do Detonautas você diz que é o “chato, inconveniente”. Por quê?
TSC: Sempre fui provocador. Passei por umas nove escolas. Era convidado a me retirar porque não me enquadrava naquele modelo vigente. Mas nunca fui aluno que desrespeitou professor. No 2º grau (atual ensino médio), quando comecei a ter aulas mais profundas de história, procurava os professores para saber mais. A gente só ouve um lado: o dos vencedores. O dos vencidos, dos oprimidos, eu não ouvia em lugar nenhum e isso me intrigava.
QUEM: Suas opiniões geram bastante polêmica. Como lida com isso?
TSC: Por ser uma pessoa pública, minhas opiniões reverberam mais. Quando é algo que agrada, fica tudo bem. Quando desagrada, aí xingam, fazem barulho, reclamam... Mas não vou parar de falar o que penso.
QUEM: Você costuma se autodefinir como sendo “imoral diante da moralidade atual”. O que quer dizer com isso?
TSC: O brasileiro tem uma moral elástica. Esta cultura do "vou me dar bem" é arraigada. São as pequenas corrupções. O cara reclama que político é corrupto, mas faz carteirinha de estudante falsa, está num engarrafamento e corta pelo acostamento, fura fila. Cara, não sou santo, mas não faço essas coisas. As pessoas até odeiam viajar comigo porque sou aquele que fica no maior engarrafamento, parado. Por outro lado, questiono leis que as pessoas acham que estão certas, como drogas e aborto.
QUEM: Você usa drogas?
TSC: Das que me despertaram interesse, experimentei todas as possíveis e imagináveis, menos o crack. Mas sempre com consciência e conhecimento sobre os efeitos que causam. Droga para mim é coisa recreativa. De repente, estou num evento, quero fumar um baseado, fumo. Não tenho problema em dizer isso. De todas, o álcool é a mais perigosa e a mais aceita socialmente. Também bebo, mas meus filhos nunca me viram beber nada de álcool. Nunca me viram usando droga também. Não precisa, né?
QUEM: Se seus filhos quiserem usar drogas, como vai reagir?
TSC: Se forem usar, que seja com consciência do que estão fazendo, até para ter controle sobre a droga. Meu filho mais velho, que já tem idade para questionar o assunto, é megacareta. Acho que ele não vai ter curiosidade com isso. Há pouco tempo, ele perguntou para minha mulher se ela já tinha usado, ela disse sim e ele arregalou os olhos.
QUEM: Como é o Tico pai: liberal ou careta?
TSC: Rígido em relação à educação. Educação é uma coisa que a gente dá em casa. Escola é para passar conhecimento. Algumas pessoas confundem, acham que é papel da escola educar os filhos, mas não é. Quem educa são os pais. E, como pai, não quero que meus filhos sejam iguais à grande parte dessa geração que acha que o mundo é dentro de um condomínio e com a cara enfiada 24 horas no computador, não enxerga o mundo ao redor e não respeita o outro. A Luciana não trabalha, está sempre presente na vida deles.
QUEM: Você teve uma educação parecida na infância?
TSC: Não. Meu primeiro vínculo familiar estreito é este que você está vendo aqui: eu, minha mulher e meus dois filhos. E eu os prezo bastante. Meus pais se separaram muito cedo, quando eu tinha 12 anos. Ele foi morar fora do país e minha mãe, no Sul. Vivi um tempo com minha avó e depois fui praticamente adotado pela família de um amigo, que virou um irmão. Foi um tempo complicado. Mas nessa época comecei a ter essa visão de que o mundo não era só o mundinho do condomínio.
QUEM: Você é romântico ou ciumento?
TSC: Sou romântico, mas não daqueles melados. Não falo “mozão”. Detesto isso. Sou romântico do meu jeito: 90% das minhas músicas são para a minha mulher. Das conhecidas, a “Você Me Faz Tão Bem” é a mais bonita. Ciumento não sou.
QUEM: Você diz que tem “um relacionamento completamente fora dos padrões convencionais”. O que quer dizer?
TSC: Significa que a gente vive tudo o que os outros casais vivem, mas dentro de um código nosso e que não diz respeito a mais ninguém. A questão da fidelidade está embutida na lealdade que temos um ao outro. Não é nada gerado pelas expectativas das pessoas. Ninguém controla ninguém, mas há respeito. Estamos juntos e felizes há 13 anos. Alguém já me viu por aí com outra pessoa? Não. Minha família é meu pilar principal e faço questão de preservá-la.
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