Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro./ Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Manuel de Barros
Hélio Consolaro*
A cada dia vivido é um passo dado em direção da cova, da
gaveta ou da cremação. Parece filosofia de para-choques de caminhão. Como diz o
poeta, se poucos entendem isso, eu entendo menos ainda.
Às vezes, vejo alguns mendigos perambulando pelas estradas
ou pelas ruas que vivem assim por opção, não aceitam ajuda, não se classificam
como marginalizados, aliás, se sentem o dono do mundo.
Numa viagem turística a Vitória do Espírito Santo, encontrei
um ciclista barbudo, com cara de mendigo, mas era um sujeito organizado. O seu
guarda-roupa era a bicicleta, ela era tudo para ele. Ele encostou seu trole numa
de árvore na praia.
De férias, sendo dono de todo o tempo do mundo, fui
conversar com ele, não podia perder a oportunidade. Inicialmente, fui tímido,
depois a conversa se tornou animada.
Se dizia coronel do Exército Brasileiro que resolvera
abandonar patente, família, deixara a vida complicada de pagador de prestações e
impostos na fila de banco. “Agora vivo, não preciso de muito, a areia da praia
é meu travesseiro e colchão. A comida sempre aparece”.
O prefeito Cido Sério, de Araçatuba, sempre conta a história
de que na rodovia parou o carro e ofereceu carona para um andarilho, que não
tinha onde chegar; o prefeito considerava-se um benfeitor com tal atitude. E a
resposta veio lógica e com a força de um soco na cara:
- Moço, sou andarilho, não pego carona.
Todas essas reflexões para lhe dizer, caro leitor, que no
avançar dos anos de minha idade, sinto cada vez mais a leveza (não é o peso) de
minha insignificância. Vencer na vida é uma balela, um argumento (todo
argumento é mentiroso) do sistema.
Os homens importantes, que mandam no mundo, viajam sempre de
avião, mas nem triscam os versos de Manuel de Barros. A primeira vez que viajei
de avião, eu me transformei. Não tive medo, apenas vi lá de cima como somos
insignificantes. Ainda temos a ousadia de pedir nas orações a Deus que se
lembre da gente.
Somos vermes, grãos de areia, nada.
Somos vermes, grãos de areia, nada.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
Um comentário:
Vencer na vida é um argumento tolo do sistema. Concordo! Porém penso que viver a vida já não é tolo.
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