AGENDA CULTURAL

22.10.15

A leveza da insignificância


Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro./ Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Manuel de Barros

Hélio Consolaro*

A cada dia vivido é um passo dado em direção da cova, da gaveta ou da cremação. Parece filosofia de para-choques de caminhão. Como diz o poeta, se poucos entendem isso, eu entendo menos ainda.

Às vezes, vejo alguns mendigos perambulando pelas estradas ou pelas ruas que vivem assim por opção, não aceitam ajuda, não se classificam como marginalizados, aliás, se sentem o dono do mundo.

Numa viagem turística a Vitória do Espírito Santo, encontrei um ciclista barbudo, com cara de mendigo, mas era um sujeito organizado. O seu guarda-roupa era a bicicleta, ela era tudo para ele. Ele encostou seu trole numa de árvore na praia.

De férias, sendo dono de todo o tempo do mundo, fui conversar com ele, não podia perder a oportunidade. Inicialmente, fui tímido, depois a conversa se tornou animada.

Se dizia coronel do Exército Brasileiro que resolvera abandonar patente, família, deixara a vida complicada de pagador de prestações e impostos na fila de banco. “Agora vivo, não preciso de muito, a areia da praia é meu travesseiro e colchão. A comida sempre aparece”.   

O prefeito Cido Sério, de Araçatuba, sempre conta a história de que na rodovia parou o carro e ofereceu carona para um andarilho, que não tinha onde chegar; o prefeito considerava-se um benfeitor com tal atitude. E a resposta veio lógica e com a força de um soco na cara:

- Moço, sou andarilho, não pego carona.

Todas essas reflexões para lhe dizer, caro leitor, que no avançar dos anos de minha idade, sinto cada vez mais a leveza (não é o peso) de minha insignificância. Vencer na vida é uma balela, um argumento (todo argumento é mentiroso) do sistema.

Os homens importantes, que mandam no mundo, viajam sempre de avião, mas nem triscam os versos de Manuel de Barros. A primeira vez que viajei de avião, eu me transformei. Não tive medo, apenas vi lá de cima como somos insignificantes. Ainda temos a ousadia de pedir nas orações a Deus que se lembre da gente. 

Somos vermes, grãos de areia, nada.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

Um comentário:

Arte e Prosa de Rubens Prata disse...

Vencer na vida é um argumento tolo do sistema. Concordo! Porém penso que viver a vida já não é tolo.