AGENDA CULTURAL

12.2.16

Camisa amarrotada

Hélio Consolaro*

O sujeito chegou ao show na Praça João Pessoa, adentrou a roda, com uma camisa muito amarrotada (não era camiseta), parecia que havia tirado sua vestimenta da boca da vaca.

Você sabe, caro leitor, que os bovinos são seres ruminantes, que trazem o alimento já engolido de volta à boca e o mastigam novamente, sem preguiça.

Tirar a camisa da boca da vaca é tê-la num amarrotamento total. Pelo jeito, ela devia estar num canto do baú há décadas. Ele não foi ao show com a camisa com que dormira.

Sujeito casado, apessoado, não sei se vive feliz com sua esposa, mas vestir a camisa daquele jeito é um desprestígio para a companheira. Não sei se ela é Amélia, mas se for, ao saber da façanha do marido, vai dar briga.

Pode ser que vivam de forma moderna, cada um cuida de suas coisas, não têm diarista contratada, ou, então, moram em casas separadas. Ou o sujeito acha que passar roupa é perda de tempo. Ignora que na internet há até aula de como passar roupa no YouTube.

Os colegas da roda zoaram o rapaz. Até perguntaram se vestiu a camisa errada, em vez de pegar a sua, catou a do Ricardão que estava bem escondida no quarto.

Quando o casamento não vai bem, a má relação manda recados subliminares ou totalmente declarados. Se a casa vive cheia de goteiras, diz a lenda que o casal está com má convivência. Nesse caso, não há nenhuma explicação plausível, nada de causa e efeito. Uma questão mística.

Camisa amarrotada já é índice, sinal. Do casal, alguém não está cuidando do outro, relaxo a olhos vistos.

O leitor deve estar se perguntando onde vou parar com esse texto, como encerrá-lo. Talvez, me julgue um maluco, croniqueiro sem assunto que subiu num porco e não sabe descer. 

Amassar não é a mesma coisa de amarrotar, porque camisa não é latinha, é tecido. Amarrotar, amarfanhar. O sujeito não suportou o bullying, amassou a cara de uns três, menos deste blogueiro, pois alegou que respeitava o Estatuto do Idoso.
Ser velho e de cara enrugada (ou melhor, amarrotada) serve para alguma coisa. Só não deu BO porque a polícia não viu e ninguém, como dizia minha avó, deu parte.

O descuidado tirou a camisa, lá mesmo na praça, jogou-a no ombro e balbuciou na roda: vou passar a minha vida.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP 

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