Xico Sá*
Jornal El País
Por mais que você, homem sensível, diga que sente na pele,
jamais sentirá o pavor de vislumbrar no beco a ameaça do estupro que ronda as
mulheres no Brasil.
Por mais que a gente se diga envergonhado, por mais que
você, homem sensível, diga que sente na pele, por mais que esteja indignado e
solidário, por mais que tente eliminar o machismo em atos e palavras, por mais
que faça sua parte, por mais que não entenda a covardia e monstruosidade dos
seus semelhantes, por mais que peça punição contra a barbárie na zona sul ou no
Morro São José Operário, zona oeste do Rio de Janeiro...
Jamais sentirá o pavor de vislumbrar no beco, na próxima
esquina, a sombra do inimigo, a ameaça do estupro que ronda as mulheres no
Brasil cada vez que o relógio corre 11 minutos. Por mais que você até arrepie
os pelos, jamais sentirá na carne.
Por mais que você não entenda os machos que sempre buscam
culpar as “vadias”, por mais que você condene o discurso na linha “Bolsomito”,
por mais que você julgue importante ter mulheres nas equipes de governo, por
mais que você vá à passeata feminista, por mais que você ache bizarro o ator
Alexandre Frota — o piadista da cultura do estupro — em confraria com o
ministro interino da Educação em Brasília... Por mais que você se ponha no
lugar da vítima, nunca saberá o terror que se instala no cérebro como um pesadelo
interminável.
Mea culpa
Por mais que você resolva deixar de ser reaça e retire o seu
apoio aos projetos-de-lei homofóbicos do Congresso, aos projetos anti aborto
etc. Por mais que você esqueça o passado de porco chauvinista. Por mais que
você cresça e deixe de puxar os cabelos das meninas nos bares, festas e boates.
Por mais que você saque e nunca mais caia na besteira de achar que existe
“vadia para transar e santinha para o casamento”. Por mais que tudo isso seja
um avanço, ainda é pouco, muito pouco, pouco mesmo para sentir o drama que
apavora as mulheres no vagão do trem, na rua escura, no parque...
Por mais que ampliamos a vergonha para todos nós que fomos
ou somos machistas, por mais que façamos um mea
culpa histórico, por mais que o crime hediondo seja punido exemplarmente,
por mais que tenhamos uma ideia da maldade humana nos livros de ficção e na
realidade... Por mais que tudo isso aconteça, estamos ainda muito distante
deste horror inominável.
Por mais que ralamos as nossas rótulas da culpa no
“Ajoelhaço” anual da Cooperifa — pedido de perdão coletivo de homens na zona
sul de São Paulo por erros e maus-tratos às mulheres —, por mais que a
reeducação de hábitos e atitudes surta algum efeito... Mesmo assim, sinto
muito, estaremos apenas começando a entender o desastre da “cultura do
estupro”.
Por mais que sonhemos com outro tempo, o tempo da
delicadeza, o implacável relógio nos despertará, daqui a 11 minutos, para mais
uma ocorrência.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do romance “Big Jato”
(ed. Companhia das Letras”, e comentarista dos programas “Papo de Segunda”
(GNT) e “Redação Sportv”.
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