Apenas caminhar, enquanto houver passos |
Hélio Consolaro*
Se você, caro leitor, está aí numa deprê brava, porque acha
que a vida que levou ou leva não tem sentido algum, é muito pacata, foi o (a) cara
mais normal do mundo, nem soube ser diferente, saia do amuo e leia este texto.
Não realizou tudo que sonhou?
Eu não escalei montanhas, nem fiz grandes viagens, vivi
todas essas aventuras sem sair muito do lugar. Eu quis viver vários papéis na
sociedade. Então, eu fiquei preocupado em viver tais aventuras no meu quadrado
mesmo e me esqueci de viver a felicidade do cotidiano.
Aquele almoço quentinho na hora, uma família esperando você
chegar, um cachorro que saúda a sua chegada ao balançar o rabo, alguém que
adoece na família e morre, tudo isso também é muito importante. Há muita gente
com inveja de você, que gostaria de ter tido essa vidinha chinfrim.
Dizem os antropólogos, que vivem vasculhando e
sistematizando o nosso modo de vida, que há dois tipos de seres humanos: o
lavrador e o caçador.
O primeiro, o lavrador, quer comprar carro novo, reformar a
casa, estudar os filhos, valoriza a gruta (o lar), raízes fincadas no solo. Adora
ter um sítio, uma chácara, viver a modorra.
O segundo, o caçador, não estaciona, só vive rodando, é
aventureiro, gosta de viajar, gasta o dinheiro em suas aventuras, não sabe
nascer e morrer no mesmo lugar. É um ser desenraizado, chegando a ser
desorganizado. Não gosta muito de responsabilidade. Nessa categoria estão os
artistas. Às vezes, o seu oceano é um bar, a boemia.
Apesar de ser um caçador, mas com ímpetos de lavrador,
deleguei a criação dos filhos à minha mulher, não fui um pai carinhoso, porque
vivi aventuras mil na minha cidade. Não guardei dinheiro, abri a minha primeira
poupança com 65 anos de idade, não fui um perdulário, mas gastei sempre o que
ganhei.
Então, caro leitor, você remoendo a sua falta de coragem,
não se jogou ao mundo, mas há pessoas que se jogaram, viveram todas as aventuras
que tinham direito e estão reclamando por que não foram mais moderados, mais
apegados ao chão.
A vida é assim, controversa, mas me encontrei. Não lamento o
que não vivi, valorizo muito as minhas experiências, tudo deu certo na minha
vida. Quando percebi quanto mal me faziam os sonhos, abandonei-os pelo caminho.
Afinal, sonhar muito não é bom.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro
da Academia Araçatubense de Letras.
Um comentário:
Bravo Professor! Identificação total com o texto...
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