Hélio Consolaro*
Sempre tive em mente que os votos de longa vida ou muitos
anos de vida em meu aniversário eram desejos de amigos, gente que me quisesse
bem. Atualmente, estou mudando minha concepção.
Minha mãe chegou aos 90 anos sem doenças, apenas está
debilitada. Todos se admiram com o fato de ela chegar a idade tão longeva,
afirmam que é uma bênção de Deus viver tanto (os filhos também), mas quem vive
com ela o seu cotidiano percebe que passa por momentos duros, depressivos, em
que pede a morte ao Senhor. Ingrata? Não sei.
Como uma criatura hiperativa, sempre educada com a visão
como sentido principal, pode passar 24 horas por dia sem fazer nada, quase
cega, impedida de fazer seus bordados e mal vê as imagens da televisão. Há momentos
em que as orações não superam o desespero.
Nesse momento entra um profissional que nem toda família
pode contratar, o cuidador (ou cuidadora). Uma pessoa preparada para acompanhar
tais momentos de doentes em estado terminal ou idosos.
Os filhos estamos vivendo com ela a experiência humana da
solitude na mesma casa em que viveu com nosso pai. Nesses momentos, percebo que
o ser humano é sozinho por natureza, porque do lado de fora pouco se pode fazer
por ela, ninguém tem a chave do cofre de seu coração.
Nesses momentos, se entende a frase dita por Jesus Cristo na
cruz: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que significa “Meu Deus, Meu Deus! Por que
me abandonaste?” E chega-se à tentação
de desejar a eutanásia para si mesmo.
Atualmente, viver muito não é apenas um designío de Deus, as
visitas constantes de minha mãe a médicos, a bandeja de remédios que fica ao
seu lado, tendo sempre que tomar um deles, vai lhe prorrogando a vida também.
Esse medo que se tem de morrer, a artificialidade de como se
prorroga a vida, não se trata apenas de prejuízo à Previdência Social e nem ao
Sistema de Saúde, revela também que o ser humano não sabe enfrentar a sua própria
vida. Detectar a hora de morrer é uma sabedoria de algumas civilizações.
“Meu Deus, Meu Deus! Por que me abandonaste?”. Eu e meus
irmãos, noras, netos e bisnetos estamos aqui ao pé da cruz, minha mãe.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro
da Academia Araçatubense de Letras.
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