AGENDA CULTURAL

24.11.16

Trump vai tirar os EUA do clube neoliberal. E agora, Brasil?


A política externa brasileira não pode ser feita pela ideologia do complexo de vira-lata. Será que nós tínhamos que esperar que o Trump tomasse posições antiglobalização para proteger os empregos que estão desaparecendo lá?

Marco Aurélio Garcia*
Blog Nocaute, 23/11/2016

Donald Trump anunciou que os Estados Unidos vão se retirar da parceria Transpacífica. Isso pode parecer para muita gente uma coisa meio enigmática.
Em realidade, os Estados Unidos haviam participado de uma grande negociação com os países da Ásia e com alguns países da América Latina – mais concretamente o México, o Peru e o Chile – de uma grande negociação de caráter comercial, mas que ia muito além do aspecto comercial, que procurava efetivamente reorganizar o comércio mundial e as relações econômicas mundiais.
No período dos governos Lula e do governo Dilma os setores da oposição aqui no Brasil insistiam muito no fato de que nós estávamos fechados para o mundo. E que nós tínhamos uma posição nacionalista exacerbada, protecionista e que não estávamos seguindo essa onda dos grandes acordos internacionais.
Se falava muito, por exemplo, por que que nós não fazíamos um acordo entre o Mercosul e a União Europeia e, obviamente, a grande questão que estava na ordem do dia era a TPP, a Trans Pacific Partnership.
Bom, e agora? Como é que vão ficar as coisas? Vai ser difícil, porque nos Estados Unidos elegeu-se um protecionista, um nacionalista, um homem que compreendeu que a globalização estava criando problemas para os americanos, e que, portanto, não vai querer fazer essa negociação. Vai cortar. Já disse que vai ser decisão do seu primeiro dia de governo. Retirar os Estados Unidos da parceria do Pacífico.
O impacto que isso tem não chega a ser muito grande do ponto de vista efetivo, porque o Brasil não participava. Os neoliberais aqui aspiravam participar desse clube, mas não vão entrar no clube porque entre outras coisas, o clube ao que tudo indica será fechado.
Por outro lado, nós estamos também enfrentando uma dificuldade muito grande nas negociações com a União Europeia. O governo Lula e sobretudo o governo Dilma, por um problema de proximidade temporal, inclusive, tentou aproximar o Mercosul da União Europeia, sempre, evidentemente, preservando os nossos interesses, e formatou inclusive uma oferta para que os europeus examinassem. Lá tem um mecanismo muito claro, você só entrega a sua oferta quando o outro entrega. É um toma lá, dá cá. E essa oferta, até agora não foi entregue por parte dos europeus.
Não foi entregue, por que? Porque a Europa está vivendo uma crise tremenda e está lançando mão também de mecanismos protecionistas. Isso demonstra, concretamente, que os temas da inserção do Brasil no mundo são muito mais complicados do que pensam os atuais donos do poder no Brasil.
E aqueles que durante décadas vêm falando que a melhor coisa que nós poderíamos fazer seria associar-nos às grandes potências internacionais e não ficar perdendo tempo com a América Latina e com a África.
O que que o governo atual, esse governo ilegítimo fez? Fez uma coisa muito simples, ele fez uma aposta na globalização num momento em que a globalização entra em profunda crise. Crise que se desatou a partir de 2008, com a quebra do Lehman Brothers e todos os efeitos negativos que isso teve sobre a economia mundial.
E, ao fazer isso, ele abandonou os nossos parceiros mais próximos. Tem uma política de hostilidade a muitos países da América do Sul, da América Latina, e não foi capaz de ver, inclusive, nas planilhas do comércio exterior brasileiro, algo que é fundamental: nós temos um comércio crescente, intenso, em relação aos países vizinhos, da mesma forma que nós temos também um comércio importante em relação aos países africanos. Mas o que é mais significativo é que esse comércio, não é só que ele é volumoso, ele tem qualidade. Porque nós exportamos para esses países produtos com valor agregado.
Então, é isso que dá quando uma política externa é feita não consultando o interesse nacional ou a defesa do Brasil, mas sim, ela é feita por essa ideologia de cachorro vira-lata. O complexo do cachorro vira-lata, que nunca acredita no potencial do Brasil.
Será que nós tínhamos que esperar que o Trump tomasse posições antiglobalização para proteger os empregos que estão desaparecendo lá? Será que um homem de direita teria que ensinar a essa direita rastaquera que nós temos aqui?
Essa é uma boa pergunta para nós respondermos.

* Marco Aurélio Garcia é professor do Departamento de História da Unicamp – Universidade de Campinas, e ex-Assessor de Política Externa dos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

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