AGENDA CULTURAL

20.6.17

Cultura: pôr a cigarra para viver de seu talento

Um prefeito não pode ter acanhamento de dizer que está investindo em cultura, pois, além de querer as pessoas felizes, está dinamizando a economia local e dando identidade, uma cara, a seu município 


Hélio Consolaro*

Não foi nenhum marxista, socialista ou petista que pôs a questão cultural no mercado, foi iniciativa do liberalismo. Aliás, durante a monarquia no mundo ocidental, ninguém vendia sua arte, o artista produzia para seu mecenas.

Com o advento do capitalismo, a obra de arte passou a ser uma mercadoria, disseram para o artista: "vai trabalhar vagabundo", se quiser viver de sua arte, vai vendê-la por aí. Logicamente, não tão de repente assim, o processo foi lento.

Eu me lembro bem que a patrona das artes plásticas  de Araçatuba, a eminente Dona Mildred Rocha não vendia um quadro seu, dava a amigos ou juntava para si. Quando ela fundou uma entidade e me pôs na diretoria, eu ainda não tinha sido secretário da Cultura, e precisava de dinheiro, sugeri que vendêssemos as antigas pinturas de seus ex-alunos que se tornaram pessoas ilustres na cidade, ela me respondeu que arte não se vendia. Virei as costas, não era a minha concepção de arte, pois vivemos num regime econômico que tudo vira mercadoria.


Filipe Xavier
Mais recentemente, o neoliberalismo voltou com discurso de roupagem nova: a cultura também é um elemento do mercado, por isso faz parte de nossa economia. O PSDB é o principal porta-voz dessa tese, basta olhar para a Secretaria Estadual de Cultura em São Paulo.

A principal expoente dessa ideia é Ana Carla Fonseca Reis, que é "administradora, economista, pesquisa urbanismo e cultura e trabalhou por quinze anos em marketing e comunicação de multinacionais. Conferencista internacional em economia da cultura, economia criativa e cultura e desenvolvimento, é autora de um punhado de livros, dentre eles 'Economia da cultura e desenvolvimento sustentável – o caleidoscópio da cultura' (Manole, 2006), primeira obra brasileira sobre o tema e vencedora do Prêmio Jabuti 2007." LEIA ENTREVISTA DELA, CLICANDO AQUI      

O artesanato é um meio de sobrevivência, cantar na noite, nos barzinhos é uma outra forma, restaurar os centros velhos das cidades,  incorporá-los novamente ao mercado imobiliário é uma atividade cultural com reflexo na economia. Os megashows constroem fortunas, vender quadros é uma forma de sobrevivência. 


Uma comitiva de queima do alho pode se transformar num bufê de comida caipira. A arte faz parte do PIB. E para isso acontecer, precisa elaborar política pública para que o município, principalmente, se insira no mercado.

Exemplo disso são os municípios que vivem, muitas vezes, de eventos culturais, é só se lembrar de Campina Grande-PB com as festas juninas. Um prefeito não pode ter acanhamento de dizer que está investindo em cultura, pois, além de querer as pessoas felizes, está dinamizando a economia local e dando identidade, uma cara, a seu município. 


Investir em cultura não é jogar dinheiro fora como pensam alguns homens públicos (felizmente, alguns), é pôr a cigarra para viver de seu talento. Se as pessoas e a sociedade não vivem sem arte, precisam do entretenimento, que pague por isso por meio de ingressos e/ou por investimento público.   


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Ex-secretário de Cultura de Araçatuba-SP

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