Na minha cidade, caro leitor, Araçatuba, houve no Natal de
2010 Papai Noel preto. Havia comerciantes que faziam tal atrevimento. Eu ia
escrever afrodescendente, mas na rua todo mundo via e dizia:
- Mãe, olha lá, Papai Noel preto!
Não estou falando do pai negro que é chamado pelos filhos de
Papai Noel. Refiro-me ao profissional que se fantasiava com a roupa do
"Bom Velhinho" e prestava serviços às lojas para chamar a criançada.
O nome dele era Mauro César Celestino, havia sido guarda municipal.
O leitor pode se espantar e perguntar:
- Se a figura importada da Lapônia é branca, por que
fantasiar um negro de Papai Noel?
Isso é uma adaptação teatral (aculturação) de uma figura
estrangeira, importada à cultura dessa América Latina, cujos portugueses
trouxeram uma multidão de escravos negros.
Se não houver Papel Noel negro, as crianças negras ficam
excluídas, só vendo Papai Noel polaco, pensando que seu papai nunca pode ser
Noel porque é afrodescendente. Variar as raças da cara do Bom Velhinho (pode
ser japonês) é uma atitude de acolhimento a dizer: "somos todos irmãos,
não importa as diferenças".
Mais de 50% da população brasileira é afrodescendente, ainda
há uma significativa parte que são pretos mesmos, portanto essa parte se sente
alheia ao Natal por imposição cultural. Para nós, brancos, nem percebemos isso,
mas para os negros isso deve doer lá dentro. Qual seria a cor de Jesus Cristo?
Outra pergunta que nos incomoda.
Mauro César ficava transitando defronte ao lugar de
trabalho. O lojista que o contratou, com certeza, quis fazer marketing. E deu
certo. Não havia quem não olhasse para a loja.
Como sempre eu carregava uma câmera digital em minha bolsa,
pois os celulares não tinham se transformado em máquinas fotográficas, solicitei para alguém registrar a minha foto
com meu neto e o "Bom Velhinho", pois
na internet, naquela época, não achei nenhum Papai Noel afrodescendente.
Ao chegarmos para a foto, não é que seu sorriso foi
padrão?
- Rorororororô!
Apesar de barbudo, meio dentuço, pousou logo para a foto,
sem trabalho algum. O lojista, percebendo minha presença, chegou. Disse que o
Papai Noel preto era seu contratado. Elogiei a sua iniciativa.
Foto de 2010 - Papai Noel Mauro César Celestino, Yuri e Consa |
Cliquei daqui. Cliquei dali. A máquina foi passando pelas
mãos dos fotógrafos. Era um Papai Noel alto, grandalhão, bem pançudo, importado
da África nos tempos da escravidão. Era um senhor de meia idade fantasiado de
Noel.
A presença daquele Papai Noel preto no calçadão de Araçatuba
produziu mais conscientização do que qualquer Dia da Consciência Negra ou texto
escrito em jornal contra o racismo. Com certeza, meu neto, por exemplo, refez
alguns de seus pensamentos do alto de seus 06 anos (hoje está com 13).
No primeiro momento, Papai Noel preto causava escândalo, as
pessoas até riam. No segundo momento, já pensavam: “Por que não?” Com certeza,
as crianças afrodescendentes acreditarão mais em Papai Noel. Ele tinha a cara
delas.
Aquilo que era para ser tão normal, passou a ser tão
estranho... O preconceito não está na boca, ele mora no coração.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras
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