Alice Silva*
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Encontrei dia desses,
no meu baú de memórias, o bilhete de um garoto que me pedia para namorar
com ele, há exatamente quarenta e nove anos atrás. Foi guardado com carinho,
tendo ele se tornado meu primeiro namorado. Namoro inocente, de pegar na mão no
escuro do cinema, de cruzar olhares, mandar flores e cartões, e terminar leve,
como começou.
Muitos romances na minha mocidade começaram assim, trocando
bilhetes, terminava-se também
relacionamentos através deles, e hoje esse meio de comunicação caiu em desuso,
dando lugar à era digital. Jânio Quadros, quando esteve à frente do Palácio dos
Campos Elísios, então sede do governo paulista, se expressou muito por
bilhetes. Bilhetes bem escritos, criativos, sarcásticos às vezes, bem de acordo
com a personalidade do autor. Vale a pena pesquisar e ler tais preciosidades.
Suicidas também costumam usar do expediente, expressando muitas vezes tudo
aquilo que tinham vontade, mas não tinham coragem de dizer, e a vida passou , se tornando
insuportável, e as questões que incomodavam presas na garganta, até sufocar.
Confesso que gosto da comunicação via bilhetes, e tenho boas lembranças de
vários deles pela vida afora.
Quando
meus dois filhos eram adolescentes, algumas vezes me ausentei por um curto
período, deixando-os em casa, com um adulto responsável presente na maioria do
tempo, e ficava bem apreensiva. Deixava um bilhete preso geralmente na
geladeira, com recomendações de segurança e ordem, da casa e deles próprios durante minha ausência.
Mais
tarde, quando adultos, os dois me disseram que faziam questão de desobedecer a
maioria daquelas regras. Liam juntos o bilhete, debochavam imitando meus
gestos, minha voz. Eles queriam provar que sabiam se virar numa casa sozinhos,
livres! E assim desobedeciam com prazer, especialmente um quesito: “nada de
promover festas na casa durante minha ausência”.
Rolaram as melhores festas da
casa , segundo eles, daquelas que no dia seguinte, quase a casa inteira tinha
que ser organizada. Os próprios convidados, sabedores das regras, iam no outro
dia com prazer para a faxina, que de tão animada quase se tornava uma outra
festa. Não eram e nunca foram chegados ao consumo de bebidas alcoólicas, mas
permitiam e controlavam quem levasse e consumisse.
Meus pais, avós amorosos,
moravam bem perto. Passavam por lá para conferir o que se passava, e cúmplices
dos netos mantinham segredo, e todo mundo seguia feliz, pois como diz o ditado:
“o que os olhos não veem o coração não sente”.
Quando foi estudar fora, minha
filha deixou pela casa bilhetes de gratidão pelo lar que teve. Eu os encontrava
num bule de porcelana pouco usado, num livro de poesias , numa gaveta do escritório, no
bolso de um casaco, e aí era uma
choradeira só! E tão significativo quanto um abraço, um beijo afetuoso,
aliviavam a saudade que sentia dela.
Meu filho na adolescência, no auge da
rebeldia, deixou um dia um bilhete de despedida, onde dizia estar indo embora,
e expressando sua insatisfação com a família. Felizmente durou três dias a
aventura, e ele retornou com o aprendizado, sendo recebido com todo amor, e
nunca mais quis repetir o ato.
Guardo com carinho um bilhete de um colega de
trabalho, que com uma doença terminal, se despediu de mim com um até breve,
dias antes de sua morte, e os dizeres:
“se o amor é branco, e a saudade é preta, somos então xadrezinhos”.
Quando
perdi minha mãe, encontrei em minha caixa de correio um bilhete de uma vizinha
distante, por tão pouco que nos comunicávamos,
me consolando e parabenizando pelos cuidados que tive com minha mãe, que
para ela era um exemplo a ser seguido.
Finalizando, há pessoas que chegam em
nossa vida como um bilhete de loteria premiado: nos enriquecem, nos estimulam,
trazem alegria, esperança e força nos momentos difíceis.
*Alice Mara Barbosa da Silva, escritora, membro do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras: alicemara356@gmail.com
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