AGENDA CULTURAL

27.11.18

Resiliência ou resistência?

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*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Alterado em 3/12/2018

Num texto poético, meu amigo para não se envolver politicamente, usou resiliência em vez de resistência. No sentido de autoajuda, resiliência significa a habilidade que uma pessoa desenvolve para resistir, lidar e reagir de modo positivo em situações adversas, ou seja, dar a volta por cima, fazer do limão limonada. Indo mais fundo: voltar à situação anterior.

Resistência já tem um viés político, de conflito, é a capacidade de suportar a força contrária, não arredar pé. Enfrentar o adversário com os olhos nos olhos, cara a cara. 

Resiliente é o sujeito que não quer briga. Aceita a derrota, mas vai acumular forças para  "o segundo round". A frase síntese da resiliência é esta: "Jogue-me aos lobos, e voltarei liderando a alcateia". 

Eu estava observando meu quintal, vi o meu canteiro de cristas-de-galo florido, que exigiu muito sacrifício para dar flores. Plantei sementes, rareei as mudas, adubei. Jardineira florida.


Crista-de-galo
Crista-de-galo

E as novas sementes se esparramaram pelo quintal, nascendo em todas as gretas, rachaduras. Mudas viçosas, sem nenhum cuidado, encheram o piso de cimento. Até parece que ganharam mais confiança no lugar. 

Como todo cronista quer tirar lições das insignificâncias, cheguei à mesma conclusão do poeta Manuel de Barros: meu quintal é maior que o mundo. Então, comecei a aprender com aquelas mudas de cristas-de-galo que nasceram na boca de um respiro de esgoto, sem terra, sem nada (ver as fotos). 

Há plantas que têm o caráter de certas pessoas, não se conformam com limites, cheias de rebeldia, resistem, não aceitam a ser postas, replantadas, desejam ser semeadas pelo vento. Como me lembrou Tito Damazo (ver comentário), cantou Carlos Drummond de Andrade em seu poema: "É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."

E assim se sentem bem numa greta, onde caíram por obra do acaso, do que uma jardineira bem cuidada, como se fosse uma gaiola. Se viram com o pouco que têm, a liberdade é um viço.

Daquela fresta de um tampa de respiro de esgoto me veio este texto, a beleza de suas flores nascerá do esterco. Pode ser que não cheire bem, mas seja um leitor renitente. 

4 comentários:

Fátima Florentino disse...

Muito bom! A natureza, de uma maneira ou de outra, inspirando os poetas.

Anônimo disse...

Nem todo poeta consegue exprimir os sentimentos comparando-os com o cotidiano.Muito boa suas observações traduzidas por palavras.
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Maria Izaura disse...

Fazer o quê, hein? Assim são os resilientes! Como a cristã de galo. Nasce, cresce e floresce onde menos se espera. Assim somos nós povo brasileiro, muito mais que resistentes, somos resistentes, nascemos das cinzas.

FRANCISCO.DAMAZO disse...

Drummond: "É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."