AGENDA CULTURAL

30.3.20

Coronavírus viajou de avião, não veio pelo esgoto


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Sala de espera é um lugar de sofrimento, angústia e ansiedade, às vezes, de esperança. Espera-se o dentista, o médico ou um autoridade. Nela, a gente lê até o que não presta, cutuca o celular por todos os lados à espera do futuro.

O mundo se transformou numa grande sala de espera, aguardando a doença. Ou num esconderijo, cada um em sua casa se esconde dela, roendo as unhas.

Esta figura de linguagem da sala de espera não foi inventada por mim, peguei lá do livro "A peste", de Alberto Camus, escrito em 1947. A sala de espera é Oran, cidade sitiada pela peste provocada por ratos. Como o mundo na época da peste não era tão globalizado, atingia apenas a cidade, não chegava ser uma pandemia, era apenas epidemia.

Há muitas teorias sobre as pestes, como o coronavírus, há até aquela que diz ser uma sacudidela do planeta que não aguenta tanto parasita em seu corpo. O ser humano aumenta sua própria longevidade e a Terra não suporta mais o peso. Então como um cachorro sarnento se sacode para se livrar dos parasitas.

Como o inimigo é invisível, até agora não surgiu um super-herói que o chamasse para um duelo, apenas o papa Francisco, o Dom Quixote, o desafiou na praça de São Pedro com rezas e sábias palavras, mas o inimigo não apareceu.

E parece que o vírus está atacando o topo da pirâmide social, não veio pelo esgoto, gosta de viajar de avião.  Não quer aumentar o sofrimento de quem sofre há muito. 

Na Itália, os mortos são carregados em caminhões das forças armadas, como derrotados de guerra para serem queimados.

Os teóricos do Apocalipse estão preparando seus sermões e homilias, os mais informais sairão pelas ruas como beatos e cajado pregando mais desgraças. O presidente da República do Brasil já disse que nalgum dia teremos que morrer, que seja logo. E assim a economia andará em paz.   


A Linha do Equador: para cima Norte; para baixo, Sul
Na verdade, além de se preocuparem com a preservação da vida, os profissionais da saúde, brasileiros, não querem chegar à mesma pergunta que se faz nos hospitais italianos: quem internar, quem salvar, deixar morrer qual, porque o sistema de saúde privado ou público não têm mais ferramentas para tratar dos doentes.  

Só para lembrar que lá na Itália as vítimas estão entre os idosos, ou seja, 85%. Até parece que o vírus está fazendo uma seleção, ceifando vidas de quem já viveu muito. 

Sala de espera, esconderijo, mas também pode ser um necrotério. Dizem os sádicos que o coronavírus seja um ser vingativo, só ataca o Norte do planeta (a parte mais rica), não quer um contágio pesado ao Sul do Equador (a parte mais pobre),  mas não se pode esperá-lo como covardes. 

A economia de um país se arranja rápido, as cicatrizes da perda de vidas sempre vão doer na família, em nossa sociedade, em nossa história. Só os rentistas não pensam assim.
     

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