AGENDA CULTURAL

23.3.20

Ter um celular é questão de cidadania


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP


A minha última tarefa no centro de Araçatuba, antes de meu isolamento social por causa do coronavírus, foi calibrar meu celular. 

O aparelho vai se desorganizando, de repente, precisa de uma arrumação. Afinal, prisão domiciliar com celular funcionando pela metade é castigo dobrado. 


As garotas da Mega Cel, uma empresa de mulheres, no calçadão da Princesa Isabel, 95-A, são doutoras em celular, principalmente a Emily. Tratamento nota 10.


Fiquei lá por três horas. Não se assuste, caro leitor, porque no meu celular está o notebook por inteiro, todos os arquivos, nas nuvens e no chão.  Minha mãe, com 93 anos, detesta celular, mas o filho dela, com 71, adora.

A pessoa pode não ter endereço fixo, pode morar debaixo da ponte, mas precisa de um celular. Antigamente, ser cidadão era morar numa rua com identificação da casa, hoje é ter um número de celular para sempre, como se fosse o RG. O meu está comigo há 20 anos. 


Enquanto eu esperava a Emily ajeitar o meu celular, chegou um cidadão, com características de morador de rua, perguntando pelo orçamento do conserto de seu celular. Para dar trela aos contrários ao bolsa-família, achei que o cara tivesse um iPhone.


Espiando sobre os ombros do cara, percebi que era celular antigo, usado por ele mesmo por algum tempo, doado por um amigo ou comprado por R$ 10,00 de gente com mesma condição. Nem bateria funcionava, estava bem fraquinha. Sem possibilidade de conserto. Não era coisa roubada.


Eu estava quase por fazer uma boa ação, devolver a cidadania àquela pessoa, pagando pelo serviço, mas quando soube que o montante era de R$ 250,00, desisti. Pensei logo: “Jogue fora e compre outro!”  


Há smarthone mais barato no mercado que o conserto. Não justificava tanto investimento num aparelho antigo. E o adjutório seria grande, me contive.


A gente acha normal pessoas dormirem nas calçadas, viverem como bichos. Alguns tomam alqueires e mais alqueires do planeta para si, outros não têm uma casa para chamar de sua, nem conseguem pagar aluguel para morar na Terra.


Como os moradores de rua estão enfrentando a pandemia do coronavírus? Estão sabendo, estão sendo ajudados ou escorraçados? 


Tomara que a maioria de meus concidadãos não sejam covardes como eu e estejam ajudando os necessitados nessa hora difícil.  

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