O prefeito, a rainha da cidade e o escritor Prêmio Nobel recebendo a medalhinha de Cidadão Ilustre |
Às vezes, o nosso passado não merece tanta consideração; aquela saudade, o reencontro com a cidade onde vivemos a infância e a juventude nem sempre é agradável, a volta precisa ser bem administrada. Nem todos são azarados, expulsos, outros são incompreendidos, mas há quem seja bem recebido.
Este é o tema do filme argentino "Cidadão ilustre", 2016. Daniel Mantovani (ator Oscar Martínez), um escritor argentino (ficção, mentirinha) e vencedor do Prêmio Nobel, radicado há 40 anos na Europa. Um sujeito meio metido, chato, sem mulher e filhos, que não aceitava títulos. O filme é irônico, mas acima de tudo é crítico com a figura do escritor.
Ao receber Nobel, demonstrou que estava fazendo um favor e que receber um prêmio daquela magnitude era um convite para parar de produzir literariamente. Com Prêmio Nobel e tudo, continuou a ser um misantropo.
Despachando com sua secretária, não aceitou o convite do prefeito de Salas, sua cidade natal, onde não ia há 40 anos, para receber o título de Cidadão Ilustre. Noutro dia, voltou atrás. E para surpresa dela, aceitou o convite e pediu para providenciar passagem. Quis ir sozinho. A partir daí é que o enredo do filme começa a ser construído.
O carro que o prefeito mandou para pegá-lo no aeroporto mais próximo, a 600 km, era velho, com um trecho da estrada sem asfalto. Enguiçou. É bom dizer que todo escritor chato não tem celular. E por coincidência, o motorista também não. O remédio foi esperar.
Cartaz do filme |
Se fosse o Consa, com tal demonstração, eu teria voltado, nem que fosse a pé. O título de Cidadão Ilustre seria, como foi, uma grande frustração. A permanência estava marcada por cinco dias. No começo, assim que chegou, a recepção foi festiva, tudo muito brega, tinha até jornal e TV, todos provincianos. Apesar de poucos terem livros seus livros, todos sabiam que o assunto neles era Salas. No entanto, sua ilustre visita desencadeará uma série de situações complicadas entre ele e o povo local.
A população começou a perceber que ele adorava a ser adorado pela cidade que ele odiava. Respondeu mal a um questionamento de uma jovem numa palestra. Beijou às escondidas sua ex-namorada, que estava casada. E à noite, a filha dela passou a noite com o escritor no hotel.
O filme repete o ensinamento de que nunca participe de eventos artísticos como jurado. Só serve para arrumar inimigos. Com prefeito, secretário de cultura, pintores da cidade, ele não votou conforme havia pedido o prefeito, escolheu os melhores, deixando os bacanas da cidade de fora. Achincalhado, como o sujeito que denegria a cidade de Salas pelo mundo, o pau quebrou, foi hospitalizado com um tiro.
Quem havia prometido não escrever mais, voltou à cidade, como último ato de vingança, escreveu "Cidadão ilustre", contando a aventura da volta a Salas, e saiu a dar palestras pelo mundo inteiro, com um visual mais moderno, sem ser aquele senhor circunspecto. Agora com o título de cidadão ilustre.
O filme está na plataforma Netflix. Como interiorano, ex-secretário de Cultura de Araçatuba, ri muito das "homenagens".
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