AGENDA CULTURAL

21.5.21

A mentira é uma figura de linguagem

 


Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Araçatuba-SP

Nesses tempos de CPI é bom refletir sobre verdades e mentiras. É um trecho alagadiço que precisa ser atravessado com muito cuidado para não se afundar. 

Os apuradores da verdade são os grandes frustrados. Quando vejo o trabalho das Comissões Parlamentares de Inquérito pela televisão, essa da Covid 19 não é a primeira, percebo um trabalho insano, pois a verdade não existe, nem a mentira, até mesmo as factuais, pois ambos os lados só apresentam suas versões. Cada narrativa é contada conforme o lugar de fala do depoente. Isso acontece também nos tribunais.

Na condenação do presidente Lula, por exemplo. Os fatos continuam os mesmos, mas o narrador de então, Sérgio Moro e seus amigos, perderam o crédito, então se reconstruiu a narrativa, porque o contexto é outro, então aquela versão não serve mais diante do contexto político atual. Houve na verdade uma hipérbole, podia ter havido eufemismo na narrativa. Quem se sente manipulado no trabalho com a linguagem enfurece-se. Assim, a mentira tem pernas curtas, ou seja, a narrativa não se sustentou.

Na minha época de ginásio e colégio (fundamental I e II, também ensino médio), a História do Brasil na escola era contada sob o ponto de vista do branco vencedor, então índios e negros eram apresentados  como "gente do mal", nenhum prestava. Eram enaltecidos como heróis apenas negros e índios que bajulavam e traíam a sua raça a favor do colonizador branco. 

Na frase de Mário Quintana: "A verdade é uma mentira que se esqueceu de acontecer", há uma prosopopeia (animação) porque os substantivos abstratos "verdade" e "mentira" dependem de agentes. 

A frase também é um eufemismo, pois apresenta uma compreensão pela ação do mentiroso. O agente contou uma verdade, mas na linha do tempo se tornou uma mentira. Inocenta-se o culpado.   

Talvez alguém tenha provocado o escritor gaúcho, dizendo: "Poeta, o senhor é bom mesmo na pena, então escreva alguma coisa a favor da mentira". E Quintana fez com competência.

Então, caro leitor, essa crônica é uma provocação, pois se a verdade é relativa, a mentira também o é. Tudo depende do jogo de palavras e do contexto em que são ditas. 

Um comentário:

Alcino disse...

Verdade grande mestre Hélio