AGENDA CULTURAL

19.6.21

Bela viola e bolorento

 


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Os velhos prédios de Ouro Preto, cidade histórica de Minas Gerais, me deram sólidas e antigas lições. 

Fui visitar a cidade histórica com meu Fiat Uno 2001, meu primeiro caro zero. Eu estreava o carro e  Meninão, a carta. Foi num repente: vamos? Vamos! Eu me cansara de lecionar Literatura e não conhecer a sede dos movimentos literários, como o Arcadismo. Foi um passeio, mas também uma reciclagem de conhecimentos.

Em cada esquina da cidade um nicho com a imagem de santo, a exemplo da velha Vila Rica, antigo nome de Ouro Preto, por onde andou poetas árcades e inconfidentes. Hoje, é uma cidade pequena, menor que Birigui, mas já fora a capital econômica do Brasil colonial.  

Aqueles antigos prédios, com aparência histórica, seus luminosos indicando ser uma agência bancária, mas quando se entra no prédio, leva-se um susto diante do designer moderno, um luxo cibernético. Preserva-se apenas a fachada. E para que a atividade econômica do prédio continue, permite-se a modernização de seu interior.  

Na minha meninice, talvez na adolescência, ouvia uma frase em roda de conversa de adultos que me ensinou cedo que as pessoas têm duas realidades: "Por fora bela viola, por dentro pão bolorento". A dimensão externa e a interna. É um pouco disso que vou falar, conhecimento aprimorado pelas aulas de Psicologia de Luiz Ortiz no Curso Normal. 

Olhando-me no espelho, me lembrei do poema de Cecília Meireles "Retrato", mas antes, na cronologia da vida, veio Nando Reis cantar nos meus ouvidos "Não vou me adaptar" . Estou me adaptando. Mas me lembrei sobretudo dos prédios de Ouro Preto, faço um esforço para não me parecer tão velho por dentro quanto sou por fora.

Quase sempre as pessoas são velhas por fora e por dentro, mas há uma grande possibilidade de encontrar as que não envelhecem por dentro, continuam com o fresco de sua juventude. 

Parece impossível, mas há jovem com uma bela estampa e uma vida interior que não corresponde à estética externa, são jovens envelhecidos. Com certeza, este exemplar não há paralelo na arquitetura.

A autenticidade de uma pessoa é medida pela distância entre o por fora e o por dentro. Os neuróticos, quase sempre morrem assim, são as pessoas que não conseguem viver a simbiose dessas duas partes, ou seja, a visão que têm de si está em desarmonia com o que pensam os outros delas.  

Ouro Preto, sobretudo a arte, me ensinou muito sobre isso. 

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