AGENDA CULTURAL

28.6.21

Desde que o samba é samba - Antônio Reis


O título desta crônica é homônimo de uma canção de Caetano Veloso, cuja letra tem a palavra tristeza como fio condutor. Vinícius também abordou o tema no famoso verso “o samba é a tristeza que balança”. Não sei com que roupa, mas vou tratar o assunto nestas mal traçadas linhas para discordar de ambos, afinal, como diz o bom baiano, “quem não gosta de samba bom sujeito não é”.

O samba com letra dor de cotovelo, e por consequência triste, é chamado pelos bambas de samba quadrado. Apesar de a dor do abandono ser de tristeza imensa, nem toda tristeza é decorrente dela. Nélson Cavaquinho é o rei do samba triste, melancólico, não bastasse sua voz cavernosa. Paulinho da Viola, apesar de comedido e sereno, não é triste. O portelense é realista, elegante e sofisticado. Acredito na sentença de Martinho da Vila Isabel: “Em casa de bamba, quem fala baixo é garoa”.

Quase plagiando Chico Buarque, recorro a Deus como cara gozador, que adora brincadeira e tinha o mundo inteiro, mas decidiu jogar o samba no território brasileiro. E aqui tudo vira festa. Com ressalvas e exceções, samba é sinônimo de alegria, traquinagem, drible sem bola e confraria de iguais. Samba, suor e cerveja são enredos de carnaval. Citar exemplos para tentar comprovar a alegria que emana do samba é desfiar um rosário infinito.

Outras características do samba são insubordinação e irreverência, tanto quanto a capoeira, já que ambos têm origem comum e o mesmo histórico de resistência. Estas características permeiam todos os seus subgêneros: samba-canção, samba-choro, samba de breque, samba de enredo, samba de exaltação, samba de partido-alto, samba de terreiro, sambalanço, samba-jazz, samba-rock, bossa nova, pagode. 

Irreverência e samba andam juntos como crônica do cotidiano, desde Noel Rosa e Wilson Batista, passando por Chico até o atual Edu Krieger, que apesar da origem alemã tem sofisticação para batuqueiro nenhum botar defeito. A propósito, uma amiga me apresentou neste finalzinho de junho um esperançoso samba de Arlindo Cruz, cujo título é “CPI” e num trecho da letra diz: “O resultado dessa CPI, já sei, vai dar cassação”.


(*) Antônio dos Reis - 
jornalista e ativista do Grupo Experimental da AAL.

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