AGENDA CULTURAL

6.8.21

Protesto nos Jogos Olímpicos - Antônio Reis

 


A norte-americana Raven Saunders, atleta de arremesso do peso, conquistou medalha de prata nos Jogos de Tóquio. No pódio, ela levantou os braços, cruzou-os acima da cabeça em forma de X e aos jornalistas explicou ser um protesto em solidariedade às pessoas oprimidas. Atualmente o Comitê Olímpico Internacional (COI) permite manifestações políticas nos locais das competições, mas veta no pódio. Tóquio 2020 teve várias manifestações a ponto de ficar marcado como Jogos da Diversidade.

Negra e homossexual, Raven Saunders teve apoio do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, mas nem sempre foi assim. Na Olimpíada de 1968, na Cidade do México, um protesto envolvendo dois negros norte-americanos e um branco australiano custou aos três perseguição implacável e banimento para sempre dos Jogos Olímpicos. A história é famosa e está bem contextualizada no livro “Jogada Política no Esporte”, do jornalista araçatubense Fábio Pìperno.

No pódio, o medalhista de ouro nos 200m rasos, Tommie Smith, e o de bronze, John Carlos, ambos negros, acompanharam a execução do hino norte-americano de cabeça baixa, de punhos erguidos, com uma luva preta em uma das mãos em alusão ao grupo Panteras Negras. Os dois também exibiam no peito um broche do Olympic Project of Human Rights (OPHR), grupo de atletas que fazia frente à segregação racial nos Estados Unidos. O medalhista de prata, um australiano de nome Peter Norman, que entrou para a história como o “homem branco da foto”, se interessou pelo broche quando soube se tratar de protesto antirracista.

Smith e Carlos relutaram, mas outro atleta providenciou o broche, que Norman grudou corajosamente no peito. Questionado pelos colegas de pódio se sabia o que estava fazendo, o australiano que era religioso fervoroso, respondeu: “Sim, estou com vocês”. A partir de então, os três caíram em desgraça, enfrentaram críticas do COI, então dirigido por um norte-americano admirador de Hitler, do governo australiano, de extrema direita, da imprensa conservadora e de formadores de opinião não só dos Estados Unidos.

Nunca mais foram a uma Olimpíada, embora tivessem desempenho para tal nos 200m rasos, e acabaram se dedicando a outros esportes para sobreviver. Peter Norman teve muitas propostas para ser reabilitado como grande atleta, desde que renunciasse à solidariedade aos companheiros norte-americanos, mas ele resistiu bravamente. Enfrentou dificuldades financeiras, depressão, alcoolismo, doença física e cadeira de rodas, mas não capitulou. 

À medida que os direitos civis avançaram nos Estados Unidos, o protesto passou a ser mais aceito. Em 2005, uma universidade norte-americana construiu uma estátua, que reproduziu a ousadia de 1968. No monumento, só os dois negros, pois “o homem branco da foto” preferiu deixar vago o seu lugar no pódio, para que qualquer pessoa pudesse ocupá-lo e sentir o que foi aquele momento histórico na primeira Olimpíada disputada na América Latina. Smith e Carlos foram recebidos na Casa Branca pelo então presidente Barack Obama, em 2016, como símbolos da luta antirracista.

Peter Norman morreu de ataque cardíaco aos 64 anos, em 2006, depois de ter assistido Salute, um documentário sobre sua vida. Tommie Smith e John Carlos compareceram aos funerais do amigo, na Austrália,  para retribuir a solidariedade manifestada 38 anos antes. Depois de morto, ele foi homenageado pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos, que atribuiu ao 9 de outubro, data dos funerais, o “Dia de Peter Norman”.

 A história, intitulada “O homem branco da foto”, é o segundo texto do livro “Jogada política no esporte” entre outros 16 muito bem trabalhados por Fábio Piperno. O jornalista do Grupo Bandeirantes, da capital paulista, cobriu três Olimpíadas (2004, 2012 e 2016).

FICHA TÉCNICA:

Obra: Jogada política no esporte
Autor: Fábio Piperno
Editora: Sesi-SP (ano 2016)
Páginas: 152
Avaliação: Cinco estrelas (Fonte: Amazon)
Preço: R$ 20,94 (e-book) e a partir de R$ 25,00 (físico)
 


(*) Antônio Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras (AAL). 

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