AGENDA CULTURAL

1.10.22

99,9% é um exagero! - Alberto Consolaro

Cuidado com pesquisas que dizem que algum produto tem 100% ou 99,9% de efeito e nem citam as fontes dos dados

Os resultados próximos a 100% geram muita desconfiança na ciência e reduz a credibilidade de quem está tentando convencer. Quando se diz resultado de 99,9%, aí parece que estão forçando uma barra danada.

Os franceses adoram falar que a unanimidade é burra, pois a diversidade é inerente ao mundo em que vivemos em todos os níveis, desde o microscópico até os vulcões, mares e montanhas. A variedade e variabilidade também são próprias dos animais e vegetais, sem falar dos minerais. É óbvio que os seres humanos também entram nesta história!

Em anúncios de liquidação na internet ou presencial com índices de desconto tão altos quanto assustadores, lembre-se que ninguém vende sem lucrar! Todo mundo sabe disto, mas ainda tem gente que gosta de ser induzida a pensar que está levando vantagem em alguma promoção desta natureza. Não se iludam!

EMBALAGENS

Não sei quando este hábito começou, mas leio rótulos com as informações de tudo que consumo como fabricante, composição, registros e datas de validade. Da pandemia para cá, aumentou muito as embalagens de produtos de limpeza e higiene pessoal com carimbos, escudos e armas com caveiras, dizendo em letras garrafais que mata 99,9% das bactérias, vírus ou microrganismos.

Quem não tem o hábito de ler e conferir rótulos fica impressionado e acredita que aquilo seja uma verdade absoluta, sendo que no máximo, é uma verdade relativa ou tendenciosa. Em cima do 99,9%* vem um asterisco que remete a um local bem discreto do rótulo com letras bem pequenas quando se esclarece que este resultado foi obtido em laboratórios independentes, sem mencioná-los, e utilizando de um só tipo de bactéria ou de vírus em culturas.

Traduzindo: uma só espécie de bactéria ou vírus foi testada em laboratório com aquela substância acrescentada ao produto como princípio ativo e, no método de contagem escolhido, observou quase ausência de crescimento destas bactérias ou vírus. É um resultado muito frágil para dizer que o produto elimina, ou as vezes escrevem que “esterilizam”, 99,9% das bactérias da boca, pele, olhos ou móveis. Nestes locais tem centenas de espécies de bactérias, vírus, fungos e parasitas.

Eu fico desconfiado e não compro. Bem que poderiam dizer que são antissépticos, que reduz a carga bacteriana ou microbiana, mas 99,9% é muito pesado. Ainda mais, porque no rótulo não citam os laboratórios independentes e nem citam em quais revistas científicas foram publicados os resultados.

MUDARAM

Houve um tempo que os produtos traziam afirmações como “cientificamente comprovado” e felizmente isto foi abandonado, pois a ciência não tem finalidade comercial e nem representantes que pudessem checar destes dados. Atualmente usam afirmações mais genéricas como “dermatologicamente testados” ou “recomendados pelos médicos” ou ainda “aprovado por cirurgiões dentistas”.  Seria interessante saber o registro dos médicos e ou dos cirurgiões dentistas que aprovaram estas recomendações.

Destaca-se que em alguns rótulos e embalagens vem escrito que o produto não foi testado em animais apesar de não indicarem quem auditou este processo, mas é um ganho relevante. Ou ainda que as plantas que forneceram aquele produto foram cultivadas e manuseadas em solos sem agrotóxicos e associados a reflorestamento ou não desmatamento.

REFLEXÃO FINAL

Acreditar que um produto de beleza, de limpeza e de higiene pessoal reduza 99,9% das bactérias ou vírus, como está destacado na embalagem, é a mesma coisa que esperar sexta feira para comprar em uma loja virtual ou presencial, porque produtos estarão com desconto de 99,9%. Só quando você entrar no site ou na loja vai descobrir que este desconto vale apenas para aquele celular daquela marca e que só tem 3 peças disponíveis no estoque! Aliás, tinha! 

Alberto Consolaro  

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru

consolaro@uol.com.br    

Nenhum comentário: