AGENDA CULTURAL

26.12.22

Vigília no Tiro de Guerra - Antônio Reis

Muitos vão torcer o nariz e outros ficarão surpresos. Mas admito sem constrangimento: “Fiz, sim, vigília no quartel do Tiro de Guerra”. Foram dias e noites, domingos e feriados, enfrentando sol a pino, chuva e frio. Pela pátria, fiz minha obrigação. Marchei, cantei o Hino Nacional a plenos pulmões, bati continência, reverenciei a nossa Bandeira. Convenci a família a me acompanhar numa manhã para engrossar o número de manifestantes. Não posso me arrepender. Foi em 1982.

Prestei o Serviço Militar no ano da primeira eleição para governador de Estado depois do golpe de 1964. Em 1982, a ditadura estava nos estertores, e as perspectivas eram boas para os setores progressistas sufocados por quase duas décadas. Um fato inédito naquela eleição era um operário na disputa e empolgando a muita gente, inclusive a mim. Eu não queria servir o Exército, lema que mais tarde Raul Seixas transformaria em canção, das mais debochadas de sua lavra. Mas não teve jeito, fui obrigado a raspar a cabeleira ao estilo “mucoco”.

Logo no primeiro dia o sargento da turma explicou o significado da farda e disse que nela só poderiam ser expostas medalhas e honrarias militares. “Na farda não pode ter medalha de torneio de truco, nem vassourinha do Jânio Quadros ou estrelinha do PT”, exemplificou com sotaque meio carioca, meio nordestino. Confesso que achei engraçado, mas não por muito tempo.

Sentia-me desconfortável dentro da farda, situação jamais imaginada dada a minha aversão a tudo o que representa. Fui, talvez, o atirador mais relapso das três turmas que formavam o batalhão. À época, era muito magro e sobrava farda. Para descontrair, o atirador Elias, amigo dos tempos de escola e das peladas de futebol, zombava dizendo que eu parecia o capitão Lamarca, que devia revirar no túmulo com a heresia.

Certo fim de semana um dos três sargentos instrutores passou de carro e me flagrou dentro do comitê do PT. Fiquei ansioso com minha recepção na segunda-feira. Foi normal e com o passar dos dias, talvez caso pensado, dois dos três sargentos passaram a me dirigir olhares maliciosos. Certo dia, o instrutor da turma não se conteve: “Você é cabo eleitoral do PT?”. Levei a mão à aba do boné e respondi meio na brincadeira. “Não sou cabo, sou sargento”.

Nos meses que se seguiram, foram muito cordiais e acredito que até me pouparam de castigos merecidos, dada a minha displicência e apatia a tudo dali. Talvez vissem em mim um anum branco no meio do bando de periquitos ou, quem sabe, um “caso perdido”. Este é o relatório da minha vigília em nome da Pátria. 



(*) Antônio Soares dos Reis é jornalista em Araçatuba e ativista do Grupo Experimental (GE) da Academia Araçatubense de Letras (AAL)

antonio.reis.jornalista@gmail.com

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