Há 48 obras dedicadas a personagens históricos cuja imagem enaltece memórias opressoras, ligadas à escravidão, ditadura militar, exaltam episódios violentos e de extermínio de povos não brancos (23%);
Em relação ao gênero, 83% representam homens; 9,5% mulheres e 7,5% retratam ambos;
O estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade” analisa 210 monumentos feitos em homenagem a pessoas na capital paulista e mostra que há desequilíbrio quanto à raça/cor e gênero das figuras representadas;
Dados do estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade”, de 2023, do Instituto Pólis.
São Paulo, fevereiro de 2023 – O estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade”, do Instituto Pólis, mostra que os monumentos em espaços públicos da cidade de São Paulo privilegiam homens brancos e dão destaque a figuras controversas, ligadas a episódios de violência, escravidão e opressão. Pessoas negras, indígenas e mulheres estão sub-representadas tanto pela quantidade de monumentos quanto por seu porte. Os dados completos do levantamento estão disponíveis aqui.
O estudo do Pólis revela que, na cidade de São Paulo, existem 377 monumentos de diferentes tipos: símbolos, objetos, datas comemorativas, figuras religiosas ou mitológicas e figuras humanas. Do total, 210 são monumentos a pessoas. A quantidade de estátuas erguidas a pessoas brancas, em especial a homens, é desproporcionalmente maior que qualquer outro grupo.
Dados do estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade”, de 2023, do Instituto Pólis.
Até 2020 existiam apenas seis monumentos a pessoas negras. Em dois anos, após um intenso debate sobre representatividade e memória coletiva nos espaços públicos, seis novos monumentos foram construídos. Mesmo que esse número tenha dobrado em pouco tempo, a predominância de figuras brancas e de personagens que tiveram um papel central na exploração e opressão de povos negros e originários continua marcando os espaços da cidade, conforme mostra o estudo do Instituto Pólis.
O levantamento mostra que há um número expressivo de obras que homenageiam figuras controversas. São 48 monumentos (23%) dedicados a personagens históricos cuja imagem enaltece memórias opressoras, exaltam episódios violentos – como os do período colonial e da ditadura militar – e de extermínio de povos não brancos.
Segundo os pesquisadores, o objetivo do levantamento é defender a substituição, a retirada ou a contextualização de monumentos que evocam a glória dos períodos de exploração e opressão de pessoas não brancas no Brasil. A iniciativa integra o projeto Patrimônio, Memória & Diversidade: um Olhar Antirracista sobre Monumentos da Cidade de São Paulo.
“Essa pesquisa faz parte de uma série de ações que têm a finalidade de responder à pergunta: quais histórias as cidades nos contam? É um convite à população para perceber, pensar e construir uma cidade que não exalte símbolos de violência. É um convite para interferir no curso e nas histórias que a cidade conta”, afirma Cássia Caneco, coordenadora de projetos do Instituto Pólis.
Análise mostra distorção na representatividade
A leitura do conjunto das 210 obras expõe o tamanho da desigualdade nas homenagens que estão presentes nos territórios da capital paulista. Os números mostram que 155 (74%) representam pessoas brancas; 12 (5,5%) retratam pessoas negras; 12 (5,5%) remetem a pessoas asiáticas (figuras de países do Oriente Médio e do Extremo Oriente); 4 (2%) representam indígenas; 9 (4%) retratam diferentes raças; e 19 (8%) não tiveram a raça/cor identificada. Quanto ao gênero, 174 (83%) representam homens, 20 (9,5%) são mulheres e 16 (7,5%) retratam ambos.
Dados do estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade”, de 2023, do Instituto Pólis.
A população preta da capital paulista, segundo o Censo do IBGE de 2010, representa cerca de 37% do total, mas os monumentos que homenageiam esse grupo correspondem a apenas 5,5% das obras que remetem a figuras humanas. Por outro lado, pessoas brancas, que são 60% da população paulistana, concentram 74% dos monumentos. Há um evidente desequilíbrio quantitativo entre a representação da população branca e negra nas obras simbólicas da cidade de São Paulo.
A diferença mais gritante, entretanto, é a representação exagerada de homens, cujos monumentos correspondem a 83% do total. Mulheres são homenageadas por 9,5% das obras da cidade e os dois gêneros estão presentes em 7,5%. A desproporcionalidade também se observa no gênero das autorias dos monumentos: cerca de 65% das obras foram concebidas por artistas homens e 9,5% por artistas mulheres.
Quem são as pessoas homenageadas?
Embora sejam mais da metade da população, as figuras femininas estão representadas em 9,5% dos monumentos que retratam pessoas na cidade. Contudo, somente metade ddeles presta homenagens nominais a mulheres do passado, enquanto 83% dos monumentos de figuras masculinas homenageiam homens pelo nome.
O reconhecimento histórico dado a homens, lembrados pelo nome, não é o mesmo concedido às mulheres, cujas representações, sem nome, se limitam a figuras genéricas e estereotipadas. O mesmo se observa entre figuras brancas, negras e indígenas, cujas homenagens nominais correspondem a 84%, 75% e 25%, respectivamente. A memória gravada pelos monumentos da cidade expressa uma dominação discursiva, histórica e simbólica de caráter patriarcal e racializado.
Como as pessoas são representadas pelos monumentos?
As dimensões físicas dos monumentos também apresentam um elemento de desigualdade quanto à representação de diferentes grupos sociais. Figuras negras e indígenas não apenas possuem muito menos obras na cidade como também são menores. Enquanto as obras que prestam homenagem a pessoas brancas têm 3,3 metros de altura média, a altura de monumentos que retratam pessoas negras é de 2,2 metros e a de pessoas indígenas é de 2,8 – esses valores são, respectivamente, 33% e 15% menores. A altura média de figuras controversas é de 5,3 metros, a de homens é 3,2 metros e a de mulheres, de 1,8 metros.
Quanto mais branca a obra, maior ela é. Quanto mais controversa a figura retratada, maiores as dimensões do monumento que a representa. Dados do estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade”, de 2023, do Instituto Pólis.
Onde estão os monumentos da cidade?
A distribuição de monumentos na cidade de São Paulo se caracteriza por uma forte concentração territorial em determinadas regiões, assim como pela ausência de obras em muitas áreas. Muitas delas são regiões populosas, de menor renda e/ou de maior concentração da população negra, onde novos monumentos ou outros elementos artístico-paisagísticos poderiam fortalecer a construção de memórias coletivas e narrativas históricas.
Cerca de 51% da população mora em distritos que possuem, ao menos, um monumento e somente 33% vivem onde há algum monumento retratando pessoas.
Mapa com a concentração espacial de monumentos de “pessoas” e mapa com a concentração espacial da população municipal. Dados do estudo “Patrimônio, Memória e Diversidade”, de 2023, do Instituto Pólis.
As obras se concentram na região central e em partes do quadrante sudoeste da cidade, como nos distritos de Moema, Pinheiros e Jardim Paulista. Se, por um lado, é questionável a ausência de monumentos nas demais áreas da cidade, sobretudo as mais populosas, também é questionável que a única região, fora do centro, a concentrar espacialmente um conjunto significativo de monumentos seja local de moradia de uma elite econômica predominantemente branca.
Também é importante considerar que a falta de monumentos em territórios populares pode tanto representar a ausência real de obras desse tipo, quanto a falta de reconhecimento de outras formas de produção e de intervenção que também têm potencial de construir aspectos da história e da memória coletivas.
“Se fossem mapeados, grafites e outras formas de expressão artística e cultural poderiam expressar uma geografia completamente diferente daquela observada a partir da listagem oficial de monumentos da Prefeitura”, afirma Maria Feitosa, do Instituto Pólis.
Quanto ao tipo de espaço, 135 (64%) monumentos estão em praças, 27 (13%) estão em canteiros de vias, 23 (11%) estão em parques, 11 (5%) estão em calçadas e 14 (7%) localizam-se em outros tipos de espaço. Os parques da cidade, por exemplo, são dedicados quase exclusivamente à memória de pessoas brancas. Dentre os 23 monumentos localizados em parques, 20 são homenagens a pessoas brancas (87%), apenas 1 compila mais de uma raça e outros 2 não tiveram sua raça determinada. Os parques são locais de atração de pessoas, agregam vários usos de lazer, de recreação, de práticas esportivas e/ou culturais. Se existe alguma vantagem de visibilidade e de destaque conferida por um parque urbano a estátuas e outros tipos de obra, tal vantagem nunca foi concedida a monumentos que homenageiam pessoas pretas e pardas.
O percurso da pesquisa
A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. A primeira, em 2020, partiu da base de dados da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), com 367 monumentos georreferenciados. Porém, não havia informação sobre gênero ou raça/cor das figuras retratadas. Já a segunda etapa, desenvolvida em 2022, incluiu novos monumentos, totalizando 377, e detalhou o banco com a identificação de obras que retratam figuras históricas controversas, como por exemplo, apoiadores do regime escravista e figuras que, geralmente, são lembradas como heroicas embora estejam ligadas às práticas de extermínio, violências racistas ou políticas excludentes. Além disso, foram introduzidas variáveis que caracterizam o espaço do entorno no monumento para dimensionar seu impacto na paisagem urbana.
Sobre o Instituto Pólis | Organização da sociedade civil (OSC) de atuação nacional, constituída como associação civil sem fins lucrativos, apartidária e pluralista. Desde sua fundação, em 1987, o Pólis tem a cidade como lócus de sua atuação. A defesa do Direito à Cidade está presente em suas ações de articulação política, advocacy, formação, pesquisas, trabalhos de assessoria ou de avaliação de políticas públicas, sempre atuando junto à sociedade civil visando o desenvolvimento local na construção de cidades mais justas, ambientalmente equilibradas sustentáveis e democráticas. São mais de 30 anos de atuação com equipes multidisciplinares de pesquisadores que também participam ativamente do debate público em torno de questões sociais urbanas. Aproxime-se https://polis.org.br/
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