Fiz parte de uma plêiade de convidados para falar sobre o tema "Sertão, Sertões", explanar sobre um livro que abordasse o tema do sertão brasileiro. Coube a mim "Vidas Secas", de Graciliano Ramos.
Mal sabia o "Graci" que 70 anos depois, um sujeito do interior paulista fosse falar sobre o seu livro escrito a lápis, num caderno, numa mesinha de quarto de pensão. Um professor de Português que se meteu a escrever e se tornou acadêmico por causa disso. Como ele nasceu no interior de Alagoas, talvez tenha se dado por satisfeito.
Lá na Academia Araçatubense de Letras é assim: acadêmicos são escalados para as tarefas por livre e espontânea pressão. Aí, o sujeito é colocado num grupo chamado de plêiade, fica todo engalanado e cumpre sua tarefa com alegria.
Diferente dos modernistas de 1922, os escritores nordestinos que se reuniram em 1926 em Recife, sob a coordenação de Gilberto Freire, José Lins do Rego e José Américo de Almeida, queriam dar preocupação social à literatura: denunciar ao Sul a miséria em que vivia o Nordeste. E assim o fizeram, começando em 1928 com a publicação do livro "Bagaceira", de José Américo de Almeida. Deste movimento, Graciliano Ramos era participante.
"Vidas Secas" foi o quarto livro escrito, mas só foi nele que pôs o drama da seca como cenário. Alguns falam que é uma novela, outros romance. A verdade é que dá para ler um capítulo, entender e não ler mais nada do livro. Possui 13 capítulos curtos, escrito em 1938.
Logo que saiu do presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, escreveu "Vidas Secas" num quarto de pensão no Rio Janeiro. Fora acusado de comunista por Getúlio Vargas. Essa mania de pichar os adversários de comunistas é coisa velha, tão antiga quanto a ignorância.
A primeira edição do livro foi publicada em jornal, folhetim, um capítulo por semana, por isso precisava ser curto. E essa exigência da realidade o fez escrever capítulos quase independentes, porque o leitor poderia não ter lido o anterior, ou talvez não leria o posterior. Foi a forma que encontrou para sobreviver, tendo uma remuneração do jornal. Com sucesso de seus textos no jornal, foi publicado na editora José Olympio em forma de livro, ilustrado por Aldemir Martins.
Antes de "Vidas Secas", Graciliano escreveu os livros "Caetés", "São Bernardo" e "Angústia" - todos narrados em primeira pessoa; O quarto não, em terceira pessoa. Com discurso indireto livre, gruda no interior das personagens e revela seus monólogos interiores. Fabiano e Baleia eram seus protagonistas preferidos.
Capítulos: Mudança, Fabiano, Cadeia, Sinhá Vitória, Menino mais novo, Inverno, Festa, Baleia, Contas, O soldado amarelo, O mundo coberto de penas e Fuga.
O nome do primeiro (Mudança) e do último capítulo (Fuga) indicam movimento, quando chegam à fazenda abandonada e nela se instalam, e quando fogem da seca novamente, provavelmente, indo para o Sul.
O sofrimento da família de retirantes que estava num processo acelerado de bichificação, já nem falam, apenas grunhem, não é só pela falta de uma gota d'água ou de uma folha verde, falta-lhes alimento, moradia, saúde, nem escola existe. A estrutura social e econômica da região deixa a família ao nível dos animais. Como hipérbole desse processo, Graciliano nem dá nome aos dois meninos. Os coronéis, apesar da seca, viviam bem.
No YouTube, há à disposição o filme com o mesmo nome baseado no livro. O vídeo está em HD e sem custo para quem quiser assistir ao filme. Foi gravado em 1963, originalmente em preto e branco para nada ficar verde, mostrando a secura do ambiente. Ganhou muitos prêmios internacionais na época.
Em 2023, faz 70 anos que Graciliano Ramos faleceu aos 61 anos de idade, neste ano a família não receberá mais os direitos autorais pela publicação de seus livros. Passam para o domínio público.
"Vidas Secas" é um livro que não sai da lista de leitura obrigatória dos exames vestibulares. Lê-lo é conhecer o elemento humano que habitou o Nordeste, hoje em situação melhor. Por sua leitura, chega-se à conclusão de outro escritor, Euclides da Cunha: o sertanejo é antes de tudo um forte.
2 comentários:
Belíssima crônica
É tanta sede, é tanta fome, que nem dói mais... Bela crônica!
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