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Enterro - Cândido Portinari - 1959 |
Hélio Consolaro
Professor, jornalista, escritor. Araçatuba-SP
Durante
o meu luto pela morte da Helena, me cobraram um texto sobre literatura. Não se
trata de nenhum sadismo.
A
entrega estava programada há muito, eu fui postergando, até que o ditado
ensinado por minha mãe aos brados realizou-se em sua plenitude, numa situação
extenuada. Deixei para depois, a morte me deu a lição em forma de raio.
Lembrei-me
de que a morte é um tema recorrente na literatura, poderia fazer um requentado
sobre a peçonhenta. Elaborar um texto morno. Não ia brindar meus leitores com
um texto sem sabor, não existe mornidão diante de tema tão intrigante.
Aquelas
minhas visitas à UTI, na Unimed, acompanhada de filhos, parentes e amigos já
virava rotina. Helena ruminava palavras, resmungava frases presa àquele leito.
Pensei
nos enfermeiros e médicos que têm como local de trabalho aquele chão de
hospital. Devolver a vida é muito bom, mas morrer também é necessário. Morrer
seria tratado por aqueles profissionais como assunto corriqueiro, já não
emocionava. Todos os dias morria um, a morte não foi dominada, era apenas um
animal de estimação naquele recinto.
Mas
naquela manhã de quarta-feira (20/09/2023), Helena estava estática no leito. O
médico chegou, com toda a precaução para dizer a pai e filho que a Helena
dormia profundamente. Nenhum dos dois, homens da ciência e de Deus, se
escandalizaram. Aceitaram a sentença com resignação. Juntar documentos para
registrar o óbito, funerária, cemitério. Família cumpriu a tarefa.
Durante
o velório, com corpo de Helena no caixão, bem simples, convidados prestavam
solidariedade. Todos cabisbaixos pensavam na morte da Helena, mas a preocupação
era a própria finitude. Aquela sala de velório era um recorte de nossa
impotência diante da morte. As coroas de flores com fitas inscritas registravam
a participação social da falecida.
No
futuro, todos nós também estaríamos dormindo profundamente, como versejou Manuel
Bandeira.
Havia
muitos escritores presentes, certamente, cada um juntava ideias para seus textos,
nem todos foram costurados, pois após o enterro, a vida era mais impositiva.
Após
os olhares de despedida à Helena sepultada, alguém me chamou a atenção porque
digitava no celular. "Até nesta hora não larga o celular!"
Expliquei em voz alta que estava pagando os pedreiros que recompuseram o túmulo. Tudo era muito sublime, mas alguém precisa pagar a conta. As despesas com o sepultamento também cabem no texto.
Um comentário:
Com atraso, aceite os nossos pêsames - em SP lutamos por nossas vidas e ficamos sabendo hoje 12/10 - Edna & Picasso...
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