AGENDA CULTURAL

14.12.23

Natal na faixa de Gaza - Frei Betto


Neste Natal Jesus nasce em Gaza.  Não numa manjedoura, mas entre os escombros do que resta das casas dos seus habitantes   

Ele não nasce rodeado de animais, mas de bombas detonadas, balas de fuzis Tavor Tar disparadas contra a população civil (950 tiros por minuto), granadas e gases letais.  E os voos assassinos dos caças F-35.

  Jesus nasce e não sabe que seus pais, que tentavam se refugiar no Egito, foram atingidos por uma chuva mortal de bombas destruidoras de bunkers lançadas por tropas israelenses.

  Agora não é o rei Herodes quem coloca centenas de crianças no fio da espada.  É o governo sionista de Netanyahu, no seu desejo de vingança e extermínio daqueles que considera “animais humanos”, segundo declarou o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant.

  Jesus e seus pais não encontraram abrigo em Belém.  Eles tiveram que ficar em uma manjedoura.  Tal como eles, as famílias palestinianas foram sumariamente expulsas das suas casas para dar lugar aos colonos sionistas, que não reconhecem o direito da nação palestiniana de criar um Estado legítimo.  Deslocadas, estas milhares de famílias viram-se confinadas nos estreitos limites de Gaza e da Cisjordânia, controladas pelas tropas israelitas como se fossem subumanas, sobrevivendo nas condições de um campo de concentração ao ar livre.

  Jesus nasce hoje sem que os magos venham lhe dar presentes de ouro, incenso e mirra.  O que lhe deram agora foram 12 mil toneladas de bombas desde 7 de outubro (33 toneladas de explosivos por quilómetro quadrado), o que equivale a uma bomba atómica.

  Não há coro de anjos ou canções de glória a Deus, mas o som estridente das sirenes de alarme e o assobio aterrorizante dos projéteis disparados pelos canhões mortais dos tanques Merkava.

  Jesus nasceu sob o selo da discriminação por ser palestino, por ser filho bastardo de um casal nazareno (tanto que José quis abandonar Maria quando descobriu que ela estava grávida), por ser morador de rua, porque sua família ocupava a terra .de uma fazenda em Belém, porque o consideravam blasfemo e usurpador do título de Filho de Deus.

  Mais uma vez Jesus é rejeitado na sua própria terra.  Se os seus compatriotas forem impedidos de criar o seu Estado, qualquer acção de autodefesa que empreendam será classificada como “terrorista”.  Um adjetivo que a grande mídia nunca usou quando Menachem Begin, em 22 de julho de 1946, explodiu o Hotel King David em Jerusalém e matou 91 pessoas.  Nem mesmo quando mais de 200 mil pessoas, todas inocentes, foram cruelmente assassinadas no maior ataque terrorista de todos os tempos: as bombas atômicas lançadas pelo governo dos Estados Unidos sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki.  Sim, o Hamas transgrediu as normas da “guerra justa” ao raptar mais de 200 pessoas, a maioria delas civis.  Mas quem protesta contra as “detenções administrativas” levadas a cabo pelo governo israelita, que mantém quase 5.000 pessoas na prisão sem acusações formais?

  Jesus nasceu em Gaza e agora já não o podem matar, porque ressuscitará em cada criança, em cada jovem, em cada cidadão palestiniano consciente de que a terra das vinhas e das oliveiras guarda no seu solo as cinzas dos seus mais ancestrais antigos.

 *Frei Betto é autor, entre outros livros, de Um homem chamado Jesus (Rocco).

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