AGENDA CULTURAL

19.1.25

Sonho e Marcha: um diálogo entre John Lennon e Geraldo Vandré - João Luís dos Santos


Em um período de transformações vertiginosas e gerações aguerridas, no Brasil e no Mundo, duas músicas surgiram para traduzir, cada um à sua maneira, o espírito inquieto de sua época. "Para não dizer que não falei das flores", escrita por Geraldo Vandré em 1968, e "Imagine", composta por John Lennon em 1971, se encontram num campo simbólico em que utopia e resistência florescem, cada uma sob o signo de suas realidades e propostas de protagonismo.

O ano de 1968 explodiu em efervescência global: era o auge da ditadura militar no Brasil e do fervor revolucionário que tomou conta de todo o planeta. "Para não dizer que não falei das flores", com seus versos assertivos e emblemáticos — "Há soldados armados, amados ou não" —, tornou-se o grito de resistência contra a repressão e as injustiças no país. Proibida de ser executada após o AI-5, em dezembro de 1968, sua melodia ecoou em gerações sedentas por liberdade. Transformou-se em um hino da resistência democrática no Brasil. 

Três anos depois, no hemisfério norte, John Lennon, já na condição de ex-integrante dos Beatles e um pacifista engajado, lançava "Imagine", num momento em que os Estados Unidos lidavam com os traumas da Guerra do Vietnã e o movimento pelos direitos civis ainda reverberava em toda América. A letra, que começa sonhadora — "Imagine all the people living life in peace" (“Imagine todas as pessoas vivendo em paz”)

—, propõe um exercício de esperança desarmada, convidando a humanidade a repensar os alicerces que sustentam as divisões entre os povos.

Provavelmente, Lennon e Vandré nunca se conheceram pessoalmente, mas é difícil imaginar que os mundos criativos dos dois não se cruzaram. Lennon tinha grande apreço pela música brasileira, uma conexão óbvia com o potencial sonoro de Vandré. Por outro lado, Vandré, em seu exílio e depois no Brasil, certamente acompanhou a evolução da carreira dos Beatles e a ousada trajetória solo de Lennon.

A curiosa complementaridade das músicas reflete diferentes ângulos de um mesmo prisma. Enquanto Lennon sonha com um mundo sem fronteiras, sem guerra e sem a obsessão material — "Nothing to kill or die for (nenhum motivo para matar ou morrer) —, Vandré denuncia as dores da opressão e a força do coletivo, clamando que "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

São vozes que ultrapassam idiomas, tempos, geografias e contextos para afirmar algo essencial: o poder da música e da arte na transformação de consciências. Lennon imaginou o impossível e Vandré convocou os corajosos a marchar em direção à liberdade.

Ainda hoje, nesse início de 2025, os dois legados nos dizem que sonhar é o primeiro passo, mas a ação é indispensável. Que as utopias sigam nos guiando, como hinos que se transformam em bandeira viva, humana, global e local.  

“I hope someday you'll join us And the world will live as one” (Eu espero que algum dia você se junte a nós. E o mundo viverá como um só). “Vem, vamos embora, que esperar não é saber”.

*João Luís dos Santos, escritor de Penápolis, presidente da APL 

2 comentários:

Anônimo disse...

Grato pela referência e divulgação. Grato, abraços.

Anônimo disse...

Que reflexão sobre o pensar de dois músicos com desejos de liberdade e paz, erguendo as vozes ao semear o almejar de tempos sonhados em luta com coragem e fé.