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8.6.11

Trânsito mata mais que malária e Aids



VEJA GRÁFICO INTERATIVO


Órgãos de trânsito frágeis e má fiscalização explicam alto número de mortes no Brasil

Carros em SP.
Índice de mortes no trânsito no Brasil é três vezes maior do que o aceitável
Com um índice de mortes no trânsito três vezes maior do que o considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil enfrenta como principais obstáculos para a redução dos acidentes a fiscalização deficiente em suas estradas e cidades e a fragilidade dos órgãos que lidam com o setor, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.
De acordo com a OMS, no Brasil ocorrem 18,3 mortes no trânsito por 100 mil habitantes a cada ano. Na Alemanha, Grã-Bretanha, Holanda e Suíça, que estão entre os países com os menores níveis de mortalidade no tráfego, o índice é inferior a 6.
Para ajudar o Brasil e outros países a tornar suas vias mais seguras, a OMS lançou neste mês um programa intitulado Década de Ações para a Segurança no Trânsito, com a meta de reduzir pela metade o número de mortes no trânsito no mundo até 2020.
Embora o governo brasileiro tenha acatado a meta da organização, especialistas consultados pela BBC Brasil avaliam que o país está muito distante de alcançá-la.
Para Mauro Augusto Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o maior entrave à melhoria dos índices no Brasil é “a falta de vontade política” .
“O trânsito é a única política pública que não está representada no primeiro escalão do governo”, diz Ribeiro, referindo-se ao fato de que o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), órgão máximo do setor, está no “quinto escalão na hierarquia, atrás de ministérios, secretarias, fundações e autarquias”.
Segundo ele, isso faz com que o órgão não tenha recursos nem autonomia administrativa para gerir o trânsito no país. Além disso, diz Ribeiro, o tráfego no Brasil é gerenciado por órgãos federais, estaduais e municipais. “Quem é responsável pelo quê? Ninguém se sente culpado nem cobrado.”
O trânsito é a única política pública que não está representada no primeiro escalão do governo.
Mauro Augusto Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
Ele diz que o país deveria se inspirar na França, onde o presidente Nicolas Sarkozy, dirigente máximo da nação, se engajou numa campanha para reduzir o número de acidentes, estipulando metas a serem cumpridas até o fim de sua gestão.
'Vários Brasis'
Para o engenheiro Sérgio Ejzenberg, ex-técnico da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em São Paulo e atualmente consultor em trânsito, políticas que busquem reduzir a mortandade no trânsito no Brasil devem levar em conta a disparidade nos níveis de acidente entre as regiões do país.
“No que diz respeito ao trânsito, não há um Brasil, há vários 'Brasis'. Há cidades no Sul e no Sudeste com padrões de segurança próximos aos melhores do mundo. Mas, em regiões pobres no Norte e no Nordeste, os índices são extremamente elevados”, diz.
Ejzenberg afirma que a chave para combater a assimetria é forçar a aplicação das leis de trânsito em todo o território nacional. “A legislação é boa, quase perfeita. Mas ela depende da fiscalização para surtir efeitos”.
Ele cobra uma atuação mais contundente do Ministério Público no setor, para “exigir explicações ou responsabilizar as autoridades que se omitam”.
Bafômetro obrigatório
Mauro Augusto Ribeiro, da Abramet, diz que, além de fiscalizar os motoristas, é preciso assegurar que os violadores das regras cumprirão as penas previstas. “Nós suspendemos a habilitação, mas não sabemos dizer se o sujeito ficou sem dirigir.”
Ele defende ainda a abordagem de 30% dos motoristas ao ano, para que sejam checados o uso de cinto de segurança e capacete (no caso de motociclistas), as condições do veículo e o nível de álcool no sangue do condutor.
Quanto ao último ponto, diz que a interpretação corrente da legislação brasileira protege contraventores, ao permitir que não realizem o teste do bafômetro para não produzirem provas contra eles mesmos. “Trata-se de um conflito entre o direito privado e o direito coletivo. Mas creio que uma decisão da Justiça possa resolver a questão, mudando a interpretação atual”.
Ribeiro prega também a aplicação de um questionário durante o exame para renovar a habilitação, que identifique se o motorista se enquadra em faixas de risco referentes ao alcoolismo definidas pela OMS. O questionário permitiria que condutores em situação vulnerável fossem orientados a buscar auxílio médico.
Estradas ruins
Tanto Ribeiro quanto Ejzenberg dizem que a má condição das estradas contribui para os altos índices de acidentes no Brasil.
“Uma estrada bem cuidada é mais segura. O ideal seria haver defesas e barreiras em locais perigosos e pilares protegidos. Estradas assim perdoam o erro humano”, diz Ejzenberg.
Caso a rodovia não cumpra os requisitos mínimos de segurança, ele defende que a Justiça intervenha para bloqueá-la, o que já ocorreu algumas vezes.
Ribeiro, da Abramet, concorda e diz que o respeito às regras aumenta quando as condições da estrada são boas. Mesmo assim, faz uma ressalva: “Como nunca teremos um parque viário absolutamente seguro, os motoristas têm que se adequar às condições em que vive. E em termos de custo-benefício, a prevenção de acidentes dá um retorno maior do que obras de melhoria.”

Diretor do Denatran sugere restringir circulação de motos para reduzir acidentes

Foto: Valter Campanato/ABr
Índice de mortes em acidentes com motos é muito alto no Brasil
O diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), Orlando Moreira, sugeriu restringir a circulação de motocicletas como forma de diminuir o número de acidentes e negou que haja problemas de hierarquia na gestão do trânsito no Brasil.
Segundo a OMS, 20% das mortes no trânsito no país vitimam condutores ou passageiros de motocicletas, o dobro do registrado entre condutores ou passageiros de veículos com quatro rodas. O percentual de motociclistas entre as vítimas no Brasil é oito pontos maior do que a proporção média mundial, de 12%.
Para Moreira, os índices deveriam estimular restrições à circulação de motocicletas em vias rápidas, como as já aplicadas em certos pontos de São Paulo.
O diretor defendeu também a modificação do código de trânsito brasileiro, para que motocicletas sejam impedidas de se deslocar entre os carros.
Aprovado em 1998, o código continha um artigo que proibia a circulação de motocicletas entre as faixas de rolamento dos demais veículos, mas o item foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, afirma Moreira, estuda-se a reincorporação do artigo.
Segundo o ministério da Saúde, os gastos com acidentes de moto dobraram entre 2007 e 2010, ano em que houve 150 mil internações relacionadas à ocorrência. Os dados fizeram com que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, dissesse no início do mês que o Brasil vive uma “epidemia de acidentes de motocicleta.”
Hierarquia
Em resposta às críticas de analistas ouvidos pela BBC Brasil, que citam a “fragilidade institucional” dos órgãos que gerem o trânsito no país entre as causas para o alto número de mortes, Moreira diz que o Contran (Conselho Nacional de Trânsito), responsável por coordenar o Sistema Nacional de Trânsito, é integrado por vários ministros.
“O trânsito não é tarefa para um único ministério”, diz.
Ainda assim, afirma que a transformação do Denatran numa autarquia, prevista em projeto que tramita no Congresso, seria bem-vinda, pois garantiria ao órgão autonomia financeira.
Embora considere os atuais índices brasileiros de mortalidade no tráfego “inadmissíveis e preocupantes”, Moreira diz confiar num programa recém-lançado pelo órgão para melhorar as estatísticas.
O Pacto Nacional pela Redução de Acidentes no Trânsito, afirma ele, se assentará nos cinco pilares seguintes, em ordem de importância: fiscalização, educação, saúde, infraestrutura viária e segurança veicular.
Segundo o diretor, a ênfase em fiscalização e educação se justifica porque 80% dos acidentes no Brasil são causados por falhas humanas, como excesso de velocidade, imprudência e a recusa a usar capacete e cinto de segurança.

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