AGENDA CULTURAL

25.11.16

Longa vida – uma praga?


Hélio Consolaro*

Sempre tive em mente que os votos de longa vida ou muitos anos de vida em meu aniversário eram desejos de amigos, gente que me quisesse bem. Atualmente, estou mudando minha concepção.

Minha mãe chegou aos 90 anos sem doenças, apenas está debilitada. Todos se admiram com o fato de ela chegar a idade tão longeva, afirmam que é uma bênção de Deus viver tanto (os filhos também), mas quem vive com ela o seu cotidiano percebe que passa por momentos duros, depressivos, em que pede a morte ao Senhor. Ingrata? Não sei.

Como uma criatura hiperativa, sempre educada com a visão como sentido principal, pode passar 24 horas por dia sem fazer nada, quase cega, impedida de fazer seus bordados e mal vê as imagens da televisão. Há momentos em que as orações não superam o desespero.

Nesse momento entra um profissional que nem toda família pode contratar, o cuidador (ou cuidadora). Uma pessoa preparada para acompanhar tais momentos de doentes em estado terminal ou idosos.

Os filhos estamos vivendo com ela a experiência humana da solitude na mesma casa em que viveu com nosso pai. Nesses momentos, percebo que o ser humano é sozinho por natureza, porque do lado de fora pouco se pode fazer por ela, ninguém tem a chave do cofre de seu coração.

Nesses momentos, se entende a frase dita por Jesus Cristo na cruz: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que significa “Meu Deus, Meu Deus! Por que me abandonaste?”  E chega-se à tentação de desejar a eutanásia para si mesmo.

Atualmente, viver muito não é apenas um designío de Deus, as visitas constantes de minha mãe a médicos, a bandeja de remédios que fica ao seu lado, tendo sempre que tomar um deles, vai lhe prorrogando a vida também.

Esse medo que se tem de morrer, a artificialidade de como se prorroga a vida, não se trata apenas de prejuízo à Previdência Social e nem ao Sistema de Saúde, revela também que o ser humano não sabe enfrentar a sua própria vida. Detectar a hora de morrer é uma sabedoria de algumas civilizações.

“Meu Deus, Meu Deus! Por que me abandonaste?”. Eu e meus irmãos, noras, netos e bisnetos estamos aqui ao pé da cruz, minha mãe.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.

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