AGENDA CULTURAL

7.9.18

É de cair a roda da Kombi



*Fátima Florentino, escritora, praticante do microconto, membro do Grupo Experimental, Academia Araçatubense de Letras

Era uma segunda-feira. Pela manhã, tomei meu café correndo e levei meu carro na oficina, conforme estava agendado. O mecânico recebeu-me todo sorridente, numa simpatia assustadora. Meu pai sempre dizia que “felicidade de mecânico ou de médico é a sua desgraça”.
  Combinamos de eu pegar o carro logo após meu almoço. Segundo ele, era uma servicinho rápido e barato, caro mesmo era a peça que teria que ser trocada.
Cheguei ao escritório para trabalhar e a manhã toda foi aquela correria, telefone, funcionários, boletos e uma expectativa de quem esperava por um milagre financeiro para pagar as contas. Lá fora, um calor de quase quarenta graus. Consegui uma santa carona para ir almoçar, carrão, ar condicionado, tudo muito confortável, uma beleza!
Em casa, morta de fome, comi feito uma maluca, sem noção e sem limites. Escovei meus dentes, liguei na oficina e, para minha surpresa, o carro não ficara pronto, porque apareceram outros probleminhas, mais algumas peças para trocar, etc. Meu humor, nessa altura do campeonato, já estava pra lá de comprometido.
Só me restava tentar contatos para uma carona de volta. Liguei para filhos, primos, tias, vizinhos, colegas, cachorro, papagaio, pombas, Alibabá, Super-Homem, The Flash e enfim: não consegui carona com ninguém. Nada de carona de volta. Não é de cair a roda da Kombi?
Para essas situações existiam coletivos, taxi e moto taxi, nem tudo estava perdido. Procurei dinheiro na bolsa e não encontrei sequer uma moeda. Desesperada com o horário de almoço terminando, resolvi ir a pé. Sim, num dia de calor infernal. Só quem mora em Araçatuba sabe o que é.
Descobri que o ditado é certo: desgraça pouca é bobagem. Juntaram-se à minha barriga cheia, o sol escaldante, a falta de árvores na rua, o tempo muito seco e a palmilha do meu velho sapatinho que começou a esfarelar. Vê se não é de cair mesmo a roda da Kombi?
Persisto na caminhada. A raiva impulsionava-me para frente.
Passando em frente à minha agência bancária, resolvi entrar para tomar uma água, refrescar-me no ar condicionado e descansar um pouco. Já que estou lá, resolvo tirar um extrato da minha conta e, aí, tive mais uma surpresa: saldo devedor, conta estourada! Como assim? Creditou pagamento ontem! Falei baixinho todos os palavrões que conhecia.
A raiva me deu mais forças e segui na minha caminhada. Acelerada, decorando um discurso dentro da minha cabeça para dizer a alguém, nem sei quem, mas o primeiro que aparecesse na minha frente com aqueles discursos otimistas, tipo “o importante é ter saúde” e blá blá blá.
Cheguei ao escritório tão cansada, mas tão cansada, que desisti... Agradeci por chegar ao um lugar com ar condicionado, água fresca e uma cadeira para eu me sentar.
Bora tocar a vida, consertar a roda da Kombi e seguir em frente. 

Nenhum comentário: