AGENDA CULTURAL

23.6.20

À procura de um homem honesto


Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Araçatuba-SP

Diógenes, o cínico, é um filósofo grego que vivia em Atenas uma vida de mendigo. Parecia o personagem Chaves, produção mexicana de TV, que morava num barril. O nome completo do grego era Diógenes Sínope (404 a.C.). 

Como na Grécia antiga ainda não havia barril (morada do Chaves), Diógenes se abrigava numa espécie de grande vaso de cerâmica nas ruas da cidade.  

Por que cínico? Cínico hoje significa falso, mentiroso. Na filosofia, "indivíduo que por convicção, por interesse ou como provocação desafia as convenções sociais, a moralidade, as normas de conduta". 

Como Diógenes desafiava os costumes gregos da época e convivia com os filósofos, fundou o cinismo, que se baseava puramente nas ações, sem teoria, menosprezo total ao supérfluo. Tal filósofo não escreveu nada, era mendigo mesmo, mas zombou deveras dos valores da época. 

Então, caro leitor, não menospreze os mendigos das ruas de sua cidade, dentre eles há filósofos, gente cínica, que vive zombando da sociedade, mas vive de sua caridade. Isso se chama "contradições humanas".

Conheci a existência do filósofo ao ler "Garranchos", uma coletânea de textos organizada por Thiago Mio Salla, mas há muitas aulas de filosofia no YouTube sobre Diógenes.

Na maioria dos desenhos, pois na época não havia fotos e nem filmes, o filósofo aparece com uma arandela, uma lanterna acesa em plena luz do dia. Ele afirmava que estava à procura de um homem justo. Certamente, não achou.

A questão da justiça é muito circunstancial e subjetiva. Em cada época, para cada grupo social há um perfil diferente do homem justo, portanto, uma discussão interminável.

Vamos supor que Diógenes tivesse voltado à Terra, com os mesmos hábitos e questionamentos, e andasse por sua cidade, caro leitor. Que ele procurasse com o sol a pino, holofotes de última geração, acharia alguém íntegro, honesto, um santo? Você seria o cara, caro leitor? Duvido.

Nem os santos proclamados como tal pela Igreja Católica são tão santos, sempre o papa perdoa os pecados dos porões da alma para que o processo de canonização prossiga.

Em Araçatuba, Diógenes, já meio cego, com glaucoma, foi levado pela mão por um presidente de escola de samba lá pelas bandas de Clementina-SP. Foram os dois a pé porque o filósofo também é um andarilho e usava chinelos.

Com mais da metade do caminho andado, veio uma comitiva do homem que seria visitado ao encontro de Diógenes, trazendo um recado:  

- Meia-volta volver!

Em tempos de capitão, a expressão fez sentido.

- O filósofo não vai ser recebido, o anfitrião catou os chinelos e escafedeu-se, não se sentia preparado para receber tão sábia visita.

Um dos membros da comitiva, igrejeiro, disse que o anfitrião recitava uma reza da missa: "Senhor eu não sou digno a que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo"

Diógenes, que viveu antes de Cristo, não conhecia tais palavras do Novo Testamento, achou-as muito bonitas. Um dos assessores, membro da comitiva, cofiando a barba, perguntou:

- Filósofo, a sua palavra irá salvar o anfitrião? 

Ligeiro, o filósofo, respondeu:

- Não! Eu queria mesmo é lhe dar algumas chineladas.

E pegou o caminho de volta, dizendo:

- Na casa de um rico não há lugar para se cuspir, a não ser em sua cara.     


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