AGENDA CULTURAL

30.8.20

Ah, os agostos de antigamente! - Antônio Reis



30 de agosto/2020, 7h50. Não fossem o tempo seco e as notícias de queimadas, este agosto poderia ser confundido com outro mês qualquer. Tido como mês de ventania, cachorro louco, azar e rebuliços políticos, há tempos se dizia: “Felizmente agosto está terminando”. Atualmente, no mês do imperador romano Carlos Augusto nada acontece e, por isso mesmo, é cabível o desafogo: “Felizmente agosto está terminando”. Melhor seria se o fatídico mostrasse sua natureza, mas os agostos não são os mesmos de antigamente.  

Mês que prepara a chegada da primavera, em agosto geralmente venta muito. É preciso derrubar a folhagem ressequida pelo frio para que setembro dê às plantas nova roupagem. E por ser mês de ventania, sempre foi também marcado por surtos de doenças transmissíveis por vírus. Epidemia ou pandemia não é novidade, haja vista o inverno/agosto de 1973, quando a meningite pôs fim ao sonho de muitas famílias vitimando principalmente crianças. O governo militar, como agora, a desgraça em pessoa, censurou informações deixando a população à mercê da doença. Neste ano, apesar do pouco vento, já são 120 mil mortos.

Já que ventania esparrama vírus, inclusive da raiva animal, os agostos eram o mês do cachorro louco. As ruas eram lugares arriscados, muitos cães errantes. Hoje, com o mundo pet ao alcance de qualquer um, os cachorros loucos se refugiaram nas redes sociais. Lá, babam e destilam a raiva canina que, como se sabe, não tem cura. Detestam o claro e as clarividências, chegando a ameaçar quem tenta jogar luz em direção de seus queixos duros. São contrários a vacinas a ponto de inventar mentiras a respeito delas. Quanta saudade dos cachorros loucos dos agostos passados.

A crendice popular apelidou agosto como o mês do desgosto. Talvez por ser a trintena da transição para a troca de estação, a primavera, as mudanças são abruptas. Faz parte do imaginário popular de que após a tempestade vem a bonança, o azar que antecede a sorte. Algo para se apresentar como belo, precisa ser refeito a ponto de exibir suas mazelas. Há males que vêm para o bem. A crendice se encaixa bem em agosto, o mês do folclore.

Nos agostos passados, havia rebuliços políticos no País. No ano de 1954, às 8h45 do dia 24 do mês cinzento, Getúlio Vargas decidiu, com um tiro no peito, sair da vida para entrar para a história. Sete anos depois, movido por forças ocultas, Jânio Quadros pega sua vassoura e xispa da Presidência da República. Em 1976, o já ex-presidente Juscelino Kubitschek morre em suspeitíssimo acidente automobilístico no interior do Rio de Janeiro.

Em 2020 nenhum rebuliço político para desgosto da maioria. Nenhunzinho, nadica de nada, apesar de haver motivos de sobra para um bom “pega pra capar”. Se o agosto não foi ao gosto da maioria, quem sabe a primavera será, como diziam as moças e rapazes de Praga, em 1968.

(*) Antonio Soares dos Reis. Jornalista e ativista do Grupo Experimental da AAL.

Um comentário:

A.LUIZ disse...

Parabéns. Belo texto. Brilhante experiência. Só Sucesso!!!