AGENDA CULTURAL

19.12.20

Um preto pode chamar outro preto de preto?

 Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Jeremias-Pele - personagem de HQ

"'Fecha o preto aí, ó!': garoto de MG diz em vídeo que sofreu injúria racial em jogo entre escolinhas em Goiás

Equipe da Uberlândia Academy divulgou com autorização da família de Luiz Eduardo imagens dele chorando ao contar que foi insultado por técnico. Time adversário nega; organização suspende acusado de ofensa"


Na verdade, pelo que vi na reportagem televisiva, todos os envolvidos eram afrodescendentes, só variava a tonalidade.

Que há negros que não valorizam a sua própria cor, isso existe. Ele foi tão massacrado, desde o tempo da escravidão que interiorizou a sua própria desvalorização. E quando surge oportunidade, oprime seus próprios irmãos afrodescendentes. 

Exemplo disso está no romance "Memórias póstumas de Brás Cubas", capítulo "Vergalho", o narrador passa pela cidade do Rio de Janeiro (Valongo) por uma aglomeração de gente vendo Prudêncio, o negro com quem Brás Cubas viveu a sua infância e o submetia a todo tipo de maus-tratos, e que lhe concedeu a liberdade depois que ambos ficaram adultos. Prudêncio açoitava um outro negro, que era o seu escravo. Apesar de negro, tinha um escravo para chamar de seu. Ou seja, imitava o seu ex-dono. A opressão é ensinada.

Isso mostra que os negros libertos tinham seus irmãos como suas propriedade também. Machado faz uma reflexão de que negro Prudêncio aprendeu quando crianças com Brás Cubas a submeter os negros escravos. 

O negro que menospreza um outro negro pode ser enquadrado como racista? Se houver um clima de camaradagem, brincadeiras entre os próprios negros, não vejo maldade e nem racismo. Gozações entre família. A coisa de complica quando há ódio.

Nesta notícia há um crime bárbaro: "um vídeo que viralizou nas redes sociais na última sexta-feira (18/12/2020) mostra uma juíza aposentada chamando uma atendente de pet-shop de "macaca". "Ah, vá plantar batata, ô macaca", dispara Maria Olga Santos do Canto, de 78 anos, contra a atendente. Em seguida, ela continuou a chamando de macaca. O caso aconteceu na última quinta-feira, em Teresópolis, na Região Serrana do Rio (site do jornal O DIA).

Como branco, eu procuro não ser racista, mas pretendo ser antirracista. Não estou querendo justificar nada com a pergunta: O negro que menospreza um outro negro pode ser enquadrado como racista. Apenas fazer uma reflexão.

Quando o menino Luís Eduardo ouviu de um treinador do time adversário "Fecha o preto aí, ó", caiu-lhe a ficha de que a sua cor ia lhe dar muito sofrimento. Chorou. A nuance de que o autor da maldita frase também era afrodescendente não pesou. Luís Eduardo é bem escuro, o técnico quase branco. Essa diferente tonalidade faz uma baita diferença na vida dos dois.

Uma punição judicial só vai ter um efeito propositivo se for acompanhada de uma profunda reflexão, como: não ficar falando o que os outros falam, expulsar os demônios que puseram dentro da gente, se livrar de todo o lixo que varreram para dentro de nosso interior. 


Um comentário:

Gladiador disse...

Muito bom Helião, mandou bem.