AGENDA CULTURAL

2.4.21

Alcatra, uma reportagem policial - Antônio Reis*

Dois homens encapuzados invadiram a casa da vendedora Maria Cloroquina Pascoal e levaram três quilos de alcatra que estavam na geladeira. O furto aconteceu na noite de 31 de março. No momento do crime a vítima ouvia um disco de Edith Piá. A vendedora registrou boletim de ocorrência na tentativa de reaver o alimento, estimado em R$ 150,00 e comprado em prestações pelo cartão de crédito.

O crime revoltou os moradores do bairro Nosso Senhor Acima de Tudo, que no dia seguinte, em 1º de abril, fizeram um protesto em frente à casa da vítima pedindo justiça e punição exemplar aos bandidos. Os manifestantes vestiam camisa amarela da seleção brasileira, faziam arminhas com as mãos e prometiam linchar os criminosos. Os mais exaltados exigiam a volta do AI-5.

Além de gritar palavras de ordem, como “bandido bom é bandido morto”, um rapaz loiro, de físico atlético e uma suástica tatuada no braço direito, propôs uma pauta de costumes. Ele colhia adesão a um abaixo-assinado para expulsar do Nosso Senhor Acima de Tudo um designer assumidamente gay. “Esse lixo defende ideologia de gênero e prega o racismo inverso”, discursou o loiro bombado.

O marido da vendedora, José Terraplana, acompanhou a conja até a delegacia de polícia. Ele é assessor parlamentar de Jacinto Oficialato de Jesus, um ex-tenente da PM que cumpre o quarto mandato de vereador, agora pelo PSL (Partido dos Sacanocratas e Liberticidas). Assessor e vereador são acusados de peculato mediante a prática de rachadinha.

O delegado Miliciano Colt e Silva, que presidirá o inquérito da alcatra, suspeita que os encapuzados façam parte de uma quadrilha especializada em roubo de carnes em casas de família com o objetivo de posteriormente pedir resgate. “Nos últimos dois anos temos várias ocorrências com o mesmo modus operandi”, declarou Miliciano.

De acordo com o policial, “a res furtiva” tem sido sempre carne de primeira, que por se tratar de um alimento caro é exposto nas redes sociais quando adquirido pelas famílias baixa renda, como se fosse conquista da inegável gula ou soberba gastronômica. Miliciano pede aos munícipes que denunciem suspeitos pelo telefone 17-171. Caso o denunciante tenha algum problema com a Justiça, ele não descarta a possibilidade de delação premiada.

(*) Antônio Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da ALL.

Um comentário:

Unknown disse...

Seria cômico, se não fosse trágico.
Vivemos esta balbúrdia.
Fora Bolsonaro